O aperto dos Castros 19/09/2010
- O Estado de S.Paulo
A menos que o governo de Havana volte a público para explicar que a coisa "não é bem assim", de acordo com o que foi veiculado pela mídia oficial, num prazo de seis meses 500 mil funcionários públicos serão demitidos com o objetivo de tornar "mais eficiente o processo produtivo" cubano. Isto porque "o Estado não pode nem deve continuar mantendo empresas com quadros inchados e perdas que prejudicam a economia". Em abril, o presidente Raúl Castro já havia dito isso, quase nos mesmos termos.
Na semana passada Fidel Castro declarou a um jornalista norte-americano, que convidara a lhe fazer uma visita, que o modelo cubano "não funciona mais nem para Cuba". No dia seguinte se desdisse, alegando ter sido mal interpretado. Mas agora a conta fecha. Para além de tantas outras evidências, muito mais eloquentes e eficazes do que qualquer falação do habitualmente falante comandante de Sierra Maestra, a demissão em massa de funcionários que pelo jeito não tinham muito o que fazer é um claro atestado de óbito do modelo cubano. E é curioso, embora não seja surpreendente em se tratando de um regime totalitário, que ninguém se tenha dado ao trabalho de explicar qual é o destino reservado ao enorme contingente de demitidos, que afinal representa quase 5% da população da ilha.
Quando a surpreendente autocrítica de Castro foi divulgada pelo jornalista Jeffrey Goldenberg em seu blog e reproduzida no site da revista The Atlantic, os analistas internacionais logo a interpretaram como um movimento tático destinado a preparar caminho para medidas importantes de afrouxamento do controle estatal sobre a economia da ilha. Medidas, de resto, desde sempre preconizadas pelos críticos do regime como indispensáveis para vitalizar a economia cubana, presa à estagnação desde que - até por falta de opções, alegam seus defensores - a ditadura corrupta de Fulgêncio Batista foi substituída, manu militari, pela ditadura comunista dos rebeldes de Sierra Maestra.
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No dia seguinte, ao anunciar o que apresentou como um desmentido, Castro não chegou nem a contestar os termos da declaração que lhe fora atribuída, limitando-se a alegar que ocorrera um equívoco de interpretação do sentido da frase. Mas também não deixou claro qual seria o sentido correto. Configura-se, portanto, um clássico movimento de dois passos para a frente e um para trás, muito recomendado, é o que se diz, para avanços cautelosos em terreno perigoso. O comandante sabe, com toda certeza, onde lhe doem os calos. Ao dar seu recado, ele tinha certamente um olho voltado para dentro de seu país e outro, para fora.
Com a vivência de mais de meio século de poder absoluto, Castro sabe muito bem - até porque tem o exemplo do ocorrido na finada União Soviética - que a casta dirigente é o primeiro e certamente maior obstáculo à imposição de limites ao poder discricionário. É hora, portanto, de avisar aos tovarichs cubanos que mamãe subiu no telhado. Por outro lado, é preciso começar a persuadir a comunidade internacional de que o regime de Havana está disposto a renunciar ao monopólio da virtude e admitir o convívio respeitoso, não intervencionista, no concerto das nações - até porque sem apoio externo jamais sairá do beco em que se meteu.
Tudo indica, portanto, que a cinquentenária obstinação dos Castros por um modelo de regime que o século 20 deu à luz e à sepultura parece também, finalmente, se exaurir. Na mesma senda seguida nas últimas décadas por Moscou e Pequim, com a dificuldade adicional de ter pela frente o bloqueio econômico norte-americano, o governo de Havana terá que se haver, daqui para a frente, com o desafio de oxigenar a economia do país, ampliando as medidas reformistas que com grande timidez começaram a ser implementadas desde que graves problemas de saúde forçaram Fidel Castro a se afastar do poder formal.
A exaustão do modelo cubano evidencia mais uma vez - para dizer o mínimo e permanecer apenas no campo econômico - a contradição insanável da utopia comunista: propõe-se a distribuir a riqueza, mas é incapaz de produzi-la.