Ensino de graduação, o lado oculto da Lua 22/09/2010
- Wanderley Messias da Costa*
O Brasil tem atualmente cerca de 5 milhões de estudantes matriculados no ensino de graduação (presencial), o que equivale a 24% dos jovens de 18 a 24 anos do País. A meta do governo federal é de 30% para 2012, mas recente relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que no ritmo atual só seria alcançada em 2020. Desse contingente, 75% estão em instituições privadas e 25% nas públicas.
O País tem despendido grande esforço na expansão do sistema como um todo, o que é atestado pelo aumento das vagas à taxa média anual de 6% entre 2002 e 2008. Há outros aspectos positivos, como os incentivos no vestibular aos estudantes egressos da escola pública, a tendência à diversificação (as matrículas em educação tecnológica e em educação a distância têm evoluído em ritmo acelerado) e o movimento de interiorização do ensino superior.
Mas há acidentes de percurso que são riscos inerentes a todo processo de crescimento acelerado e pouco planejado. O mais sério é o fato de quase 50% dos 3 milhões de vagas oferecidas em 2008 não terem sido preenchidas. O gritante desequilíbrio entre oferta e demanda decorre, sobretudo, da baixa produtividade do ensino médio, das dificuldades com os custos das mensalidades e da concentração dessa oferta em cursos de baixa qualidade ou desinteressantes. Também, quem sabe, de fatores menos tangíveis, como o desencanto dos jovens com o ensino superior em geral.
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Além da qualidade, o desempenho global do ensino de graduação no Brasil deve ser também avaliado por indicadores quantitativos. Nesse particular, os dados disponíveis do Censo da Educação Superior 2008, do MEC, indicam que o maior dos flagelos da educação, a evasão escolar, continua a fazer incontáveis vítimas também nesse nível do ensino no País. A taxa média de evasão no ensino de graduação, calculada para cursos com duração de quatro anos, é de 43% - sendo 45% nas instituições privadas, 39% nas municipais, 36% nas estaduais e 33% nas federais - e abrange o contingente de alunos que abandonaram seus cursos, foram desligados ou não os concluíram no prazo previsto.
Esse é um panorama geral e é certo que existe uma enorme diversidade de situações que dependem do desempenho específico de cada instituição e do seu respectivo universo de cursos. Mas, como em todo processo desse gênero, há determinados padrões que podem ser observados. Os levantamentos indicam, por exemplo, que, salvo as exceções de praxe, a esmagadora maioria dos alunos não conclui seus cursos nos prazos estipulados pelas normas e é alta a porcentagem dos que permanecem formalmente matriculados por oito anos ou mais em cursos de quatro anos.
Afinal, pouquíssimas universidades dispõem do mecanismo conhecido por jubilamento, isto é, o desligamento de alunos com baixíssimo desempenho acadêmico, e são raros os casos da sua efetiva aplicação. Vagas resultantes da evasão são, em geral, oferecidas aos interessados em se transferir de uma instituição privada para uma pública, por exemplo, mas esse é mais um paliativo para uma grave doença crônica.
A título de simulação, tome-se um hipotético curso com duração de quatro anos, uma quantidade constante de vagas e que ele seja monitorado ao longo de dez anos. Caso a diferença entre o número de concluintes e o de ingressantes (vestibular mais transferências) varie em cada ano em torno de 40%, essa será sua taxa média de evasão e o dado crítico para a sua avaliação.
Um fator que dificulta ampliar o conhecimento a respeito do problema é que somente um reduzido grupo de universidades (todas elas públicas) realiza levantamentos detalhados e periódicos sobre o desempenho dos seus cursos de graduação e os põem à disposição nos seus portais da internet. Além disso, são raros e pontuais os estudos relativos a esse tema. Por isso, são bem-vindas as iniciativas do TCU e da Controladoria-Geral da União (CGU), que desde 2007 fazem auditorias de gestão nas universidades federais, nas quais aplicam um índice de eficiência que avalia o desempenho dessas instituições, especificamente em seus cursos de graduação.
Está demonstrado, por exemplo, que existem elevados níveis de evasão em universidades e cursos tanto do topo quanto da base da pirâmide dos rankings internacionais. Há casos extremos, como os de institutos com padrão internacional de excelência em pesquisa e pós-graduação, mas que formam a cada ano apenas um terço dos seus alunos ingressantes na graduação. Além disso, já se sabe que a maior parte da evasão por abandono ocorre nos dois primeiros semestres dos cursos; que nas grandes universidades esses índices são maiores nas áreas de Exatas (mais altos nas Engenharias e na Física), seguidas pelas Humanidades (mais altos nas licenciaturas) e pelas Biológicas (mais baixos na Medicina); e que, em sua maioria, os alunos dão como causas mais relevantes a carência de recursos financeiros, a decepção com a qualidade dos cursos e o seu despreparo em face do alto nível de exigência em determinadas disciplinas.
Em suma, o ensino de graduação no Brasil está em crise.
Sabemos que é dever dos governos, do Legislativo e do Judiciário fiscalizar, avaliar e traçar estratégias e programas para a educação nacional. No caso em tela, entretanto, a maior parcela de responsabilidade cabe às universidades e, sobretudo, às públicas. Afinal, se elas são autônomas para definir suas prioridades e gerir seus cursos, por outro lado, mantidas que são com recursos públicos, devem submeter-se a avaliações externas e têm obrigação de apresentar padrões de excelência também nessa área.
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*Professor titular do Departamento de Geografia da USP, autor de cinco livros, é um dos idealizadores do Centro de Biotecnologia da Amazônia - E-mail: wander@usp.br