Um passo além do peleguismo 24/09/2010
- O Estado de S.Paulo
Estejam todos avisados: o governo tem pressa, decidiu instalar até novembro o Conselho de Relações do Trabalho (CRT) e não vai admitir atrasos. A advertência é do ministro Carlos Lupi. Se até o começo de novembro alguma confederação patronal ou central sindical não tiver indicado os nomes de sua representação, ele cuidará do assunto, consultando, segundo seu critério, "entidades sindicais de grande projeção e representatividade". O alerta está no parágrafo primeiro do artigo 11 da Portaria n.º 2.092, assinada pelo ministro do Trabalho em 2 de setembro.
Dificilmente alguma central ou confederação deixará de indicar os nomes no prazo fixado - até o começo de outubro - para a instalação do conselho no mês seguinte. Seus dirigentes podem até achar boa a ideia da criação de mais esse órgão, mas a advertência, ou ameaça, não deixa margem para dúvida. Sugerida ou não por entidades sindicais, derivada ou não do Fórum Nacional do Trabalho instalado em 2003, a criação do CRT é agora uma decisão de governo e constitui, claramente, parte de um projeto de poder.
O Fórum foi constituído em 2003, no início da primeira gestão do presidente Lula, para esboçar um projeto de reforma sindical e trabalhista. Representantes de empregados e empregadores foram chamados para discutir o assunto com dirigentes e burocratas do Ministério do Trabalho. Desse esforço resultou a Proposta de Emenda à Constituição n.º 369, de 2005, concebida, segundo seus autores, para modernizar a atividade sindical e o tratamento das questões trabalhistas. A proposta chegou à Câmara dos Deputados em março de 2005 e a tramitação foi interrompida em março de 2008. O assunto foi abandonado há dois anos e meio. O governo, seu partido e seus aliados parecem haver perdido o interesse em qualquer aspecto modernizador daquele projeto.
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Mas houve mudanças na relação entre governo e sindicatos nos anos seguintes. A administração petista conseguiu estender às centrais sindicais as benesses do imposto sindical. A partir daí, as centrais passaram a lutar pelo domínio do maior número possível de sindicatos, no esforço para conseguir parcelas maiores do imposto.
Sindicatos chegaram a mudar de central mais de uma vez, nos últimos tempos, leiloando sua adesão em troca de vantagens. Nunca antes na história deste país o peleguismo foi tão descaradamente guiado pelo fisiologismo.
Que as centrais sindicais defendam a criação do CRT é compreensível. Algumas dessas organizações não são, hoje, mais que extensões do governo, tal como concebido e moldado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os principais colaboradores de seu projeto de poder.
Mas as confederações patronais, ao que se informa, também apoiam o projeto e estão dispostas a participar do empreendimento. O CRT deverá, segundo a portaria, apresentar estudos e subsídios para a formulação de anteprojetos de lei, de outros atos normativos e de programas e ações governamentais. Na prática, não podem rejeitar o chamado, porque o governo já decidiu constituir o conselho e, como esclareceu o ministro no texto da portaria, tomará providências para nomear representantes de cada lado, se as confederações e centrais não o fizerem.
A própria ideia de um organismo tripartite já desperta justificadas apreensões. Em princípio, empregadores e empregados deveriam ser capazes de cuidar de seus interesses, dentro dos limites da lei e com recurso à Justiça ou a outro canal de mediação, quando o acordo é difícil.
Quando se fala de um conselho "tripartite", o dado importante não é a referência a trabalhadores e empregadores, porque são os participantes originais do jogo. O dado politicamente importante é a inclusão oficial do governo - a terceira parte - na mesa das conversações. A portaria também se refere a câmaras bipartites, mas um dos participantes dessas câmaras será sempre o governo, por meio do Ministério do Trabalho.
A preocupação do governo obviamente não é com a modernização das relações do trabalho, mas com a consolidação de sua presença e de sua dominação nesse jogo.