O povo brasileiro descobriu que não ganha coisa alguma se só votar em quem se pensa que vai ganhar - seja por motivos fundamentados ou forjados pelas pesquisas. Está mudando aquela mentalidade de aderir, por antecipação, ao propalado vencedor. Sem dúvida, a ideia de "não perder o voto", com "prováveis" derrotados, tem raízes no velho patrimonialismo, pelo qual se queria sempre estar do lado do poder, para dele receber, quem sabe, alguma sinecura ou prebenda. Mas também tem que ver com o simples sentimento de torcedor: a sensação de ganho ou perda conforme o resultado obtido pelo time preferido, mesmo que tal resultado não implique alteração alguma na vida real do cidadão.
Parece que nestas eleições está ocorrendo a mudança do "voto de resultado" para o "voto de convicção", também em razão da estrepitosa desmoralização das pesquisas de intenção de voto - que se mostraram, como nunca, caixas-pretas inexplicáveis, quando não escandalosamente manipuláveis. Acompanhando a política nacional há muitos anos, nunca tinha visto tanta gente dizer que ia votar em quem acha muito melhor, mesmo duvidando muito de suas chances de vitória. Só isso já significa um largo passo no rumo da maturidade política brasileira. Mas há a expectativa de muitos outros, especialmente relacionados aos critérios com que se escolherá quem vai exercer, a partir do próximo dia 1.º de janeiro de 2011, a chefia de Estado e governo do Brasil.
No segundo turno da eleição presidencial, com dois candidatos dispondo de um espaço enorme (e rigorosamente equitativo) de comunicação na televisão e no rádio, cada qual com dois blocos diários de dez minutos - incluindo horário nobre na TV -, todos os dias e até aos domingos, afora os muitos "spots" de 30 segundos distribuídos pelas programações, não faltará condição alguma, nem de tempo nem de espaço, para as duas campanhas exibirem, com volume e profundidade, tudo o que já fizeram e pretendem fazer os seus candidatos em benefício público. Por outro lado, os debates na televisão obrigarão a um confronto direto, sem perguntas transversais, "tabelinhas" ou retrancas dos debatedores, para evitar tropeços.
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A propósito, antes dos debates do primeiro turno, os analistas cobravam alto nível na discussão, propostas, planos de governo e ausência de confrontos agressivos. Mas depois dos debates - todos muito educados, sem nenhum laivo de grosseria - os mesmos analistas os julgavam "mornos", monótonos, soporíferos.
Tudo indica, agora, que neste segundo turno a contundência crítica será inevitável, ao mesmo tempo que será testada a capacidade que têm os dois candidatos de não ultrapassar os limites que os impeçam de entrar no campo da grosseria. É com esse confronto que os eleitores poderão comparar, finalmente, as qualidades dos que pretendem conduzir os destinos do País nos próximos anos.
Indague-se agora: de todas as qualidades que se exigem de quem pretenda governar um país, com as dimensões, a população e a importância no mundo que já tem o nosso, qual será a maior e mais urgente? Qual haverá de ter a maior influência na formação das nossas atuais e futuras gerações? Qual haverá de contribuir, decisivamente, para construir a qualidade de país que todos nós desejamos? Refletindo sobre o assunto, cheguei à conclusão de que, no atual momento brasileiro, a maior qualidade do governante será sua capacidade de recuperação do mérito - pois de todos é o valor mais destroçado no Brasil, nos últimos anos.
É preciso que, por sua biografia, história de vida, experiência pública e exemplo pessoal, quem pretende chefiar o Estado e o governo do Brasil tenha as melhores condições de recuperar o mérito do conhecimento, o mérito da capacidade de produção e o mérito do comportamento, no seio da sociedade brasileira.
Entenda-se por mérito do conhecimento a valorização do esforço pessoal do aprendizado - algo que nem a mais avançada tecnologia já conseguiu substituir.
Mérito da capacidade de produção é a aptidão - especialmente das pessoas públicas, o que no caso nos interessa - de fazer com que as coisas contidas nos papéis dos projetos, nos planos, nas promessas e nos discursos se transformem em realidade concreta, aconteçam de fato.
E mérito do comportamento é a simples qualidade - inata, dificilmente adquirida - de ser decente, probo, respeitador das leis, fiel guardião dos recursos públicos, jamais os utilizando ou deixando que se os utilize em benefício privado.
No mérito do comportamento da pessoa pública também estão a sinceridade e a firmeza de convicção, que a impeça de desmentir o que disse - ou de, simplesmente, mentir - em razão de suas conveniências eleitorais. Na verdade, poucas coisas têm causado maior abjeção, maior repulsa da população ao comportamento de integrantes da classe política brasileira do que a leviandade, a desfaçatez, o cinismo com que candidatos que assumiram determinada posição, devidamente registrada pelas câmeras de televisão, passam a assumir posição contrária e a acusar de caluniadores os que reproduzem aquilo que antes ouviram e viram sair de sua boca, ao vivo e em corres. Aliás, quando se vê o que tem circulado na internet - a mesma pessoa falando uma coisa ontem e o oposto hoje -, a sensação que temos não escapa de um misto de compaixão com náusea.
Recuperar o mérito significa, em suma, fazer crescer pelo próprio valor.
E isso é o melhor que o governante pode fazer pela sociedade - a de hoje e a de amanhã.
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*Jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor. E-mail: mauro.chaves@attglobal.net