Promessas de seriedade 02/11/2010
- O Estado de S.Paulo
A presidente eleita Dilma Rousseff dirigiu-se mais aos mercados que aos militantes do PT em seu primeiro pronunciamento depois de eleita. Mais que um programa de governo, ela apresentou uma série de compromissos com a responsabilidade fiscal, o respeito aos contratos, as boas normas da administração pública e a preservação da estabilidade econômica. Foi um recado parecido com o da Carta ao Povo Brasileiro, assinada há oito anos pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Mas houve uma diferença muito significativa. Desta vez, uma candidata vencedora julgou necessário reapresentar de forma conjunta e articulada as promessas de agir com seriedade e confiabilidade. A votação garantiu-lhe a vitória. Faltava - e ainda falta - atenuar desconfianças e temores amplamente justificados, em especial pela experiência dos últimos dois anos.
A intenção de produzir um discurso mais tranquilizador que mobilizador é evidenciada pela escolha dos temas e da linguagem. "Cuidaremos de nossa economia com toda responsabilidade", prometeu a eleita. Não se falaria em "responsabilidade" se aqueles temores fossem considerados irrelevantes.
O tom e o mote são mantidos na frase seguinte: "O povo brasileiro não aceita mais a inflação como solução irresponsável para eventuais desequilíbrios." Vem depois o detalhamento do problema: "O povo brasileiro não aceita que governos gastem acima do que seja sustentável." A referência à questão fiscal - que preocupa os analistas - é acompanhada da promessa de melhora do gasto público, de qualificação dos serviços e de "simplificação e atenuação" dos tributos.
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A concessão aos militantes surge com a promessa de não realizar nenhum ajuste à custa dos programas sociais. A ressalva seria desnecessária, se fosse tradição brasileira a gestão orçamentária flexível e racional, guiada por prioridades e pelo uso eficiente de recursos. Mas esse não é o caso, e oito anos de governo petista apenas pioraram a administração das finanças públicas.
As promessas de Dilma seriam mais confiáveis se ela já houvesse reconhecido alguma vez a baixa qualidade da gestão orçamentária. Mas, em muitas outras ocasiões, ela preferiu, como o presidente Lula, queixar-se da extinção do imposto do cheque, como se os programas de saúde dependessem mais desse dinheiro do que do bom uso das verbas públicas.
Vale registro a referência à meritocracia - um conceito de pouco ou nenhum valor para um governo empreguista, aparelhador e irresponsável na expansão da folha salarial. Mas não há notícia de iniciativa sua, como ministra, a favor de padrões mais sérios para o serviço público. Terá condições, na Presidência, de mexer com os interesses de uma casta com grande peso no PT?
A presidente eleita mencionou apenas uma vez a complexidade e o peso da tributação. Passou longe de qualquer exposição mais séria sobre a reforma tributária, uma das promessas principais de todos os candidatos. Se não começar desde já a trabalhar num projeto de reforma, dificilmente obterá mais sucesso nessa reforma do que o governo atual.
A promessa de respeitar a autonomia das agências de regulação também tem um significado especial. Durante oito anos o governo Lula enfraqueceu, aparelhou e desmoralizou as agências, para garantir sua subordinação aos interesses político-partidários. Como ministra, a atual presidente eleita participou dessa política. Por que alguém deveria, agora, confiar na promessa de mudança?
O discurso de Dilma oscila entre promessas de continuidade e o compromisso com políticas rejeitadas pelo atual governo, como o controle de gastos, o fortalecimento das agências e o respeito à meritocracia. O próprio Lula, ao aconselhar a manutenção do presidente do Banco Central e do ministro da Fazenda, já se imiscui na próxima administração. Há, além disso, a sua promessa pública - para alguns, uma ameaça - de agir como conselheiro de sua sucessora. Se ela pretender, de fato, inovar em termos de responsabilidade e seriedade administrativa, precisará antes de mais nada livrar-se do poder de seu criador.