Passagem para a Índia 10/11/2010
- O Estado de S.Paulo
Não terá sido propriamente para tornar a ONU mais "eficiente, efetiva, legítima e com credibilidade", como declarou no seu discurso de segunda-feira em Nova Délhi, que o presidente Barack Obama anunciou na mesma ocasião o apoio dos Estados Unidos à reivindicação da Índia por um assento no Conselho de Segurança (CS) do organismo. Decerto ele acredita, dentro de limites, que as Nações Unidas devem ser a instância multilateral número um do globo, com meios à altura desse papel. Mas o seu gesto inesperado deve-se, antes de tudo, aos interesses estratégicos americanos mais imediatos.
Na guerra fria, o aliado por excelência dos Estados Unidos no Sul da Ásia era o Paquistão, enquanto a Índia e a então União Soviética jogavam em dupla contra a China, depois que Moscou e Pequim se atritaram. Levou uma eternidade para Washington realinhar as suas posições, o que só aconteceu a partir de 2000, quando Bill Clinton visitou a Índia - o primeiro líder americano a fazê-lo em duas décadas, e com ostensivo entusiasmo. A aproximação se completou no governo Bush, quando os EUA assinaram um acordo de cooperação nuclear sem precedentes com esse país que se recusara a assinar o Tratado de Não Proliferação e forçara a sua entrada para o clube atômico em 1974.
Hoje, a América precisa não só do fabuloso mercado indiano - "a Índia já não é um país emergente: a Índia emergiu", derramou-se Obama no Parlamento nacional -, mas, principalmente, de um aliado robusto na região para representar um contrapeso à China e com o qual possa de fato contar no combate ao terrorismo, o que está longe de ser o caso do vizinho Paquistão. Alguns setores do governo de Islamabad, como os serviços de inteligência, acobertam a Al-Qaeda. Em novembro de 2008, um atentado conduzido por militantes paquistaneses da organização matou 168 pessoas na cidade indiana de Mumbai. Eles agem, também, na Caxemira, o enclave de maioria muçulmana disputado pela Índia e o Paquistão.
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Valha o que valer na prática, o aval à pretensão indiana na ONU foi até certo ponto uma temeridade por açular o antiamericanismo paquistanês e a suspeita chinesa de que os EUA querem frear o seu crescimento e solapar a sua posição no comércio mundial. Da perspectiva de Pequim, Obama teria comprado em Nova Délhi um parceiro para a reunião do G-20 na Coreia do Sul, onde Washington estará no pelourinho pela decisão do Fed de injetar US$ 600 bilhões na economia do país, agravando a chamada "guerra cambial". Não chega a ser atenuante a circunstância de que Obama precisava voltar com mais do que souvenirs do Taj Mahal da sua primeira viagem ao exterior depois da tunda que tomou nas eleições da semana passada.
De todo modo, o lado positivo de sua manifestação foi ele concordar com a obsolescência das realidades que deram ao Conselho de Segurança o seu formato original, no imediato pós-guerra. Desde então, o CS só mudou (em 1965) para ampliar de 6 para 10 o número de seus membros transitórios. Os outros 5, além de permanentes, têm poder de veto. Embora, como diz o presidente Lula, a geografia política e econômica do globo tenha se alterado drasticamente nos últimos 60 anos, a propalada reforma do CS, para refletir as transformações ocorridas desde então nas relações internacionais, se resume a duas décadas de discursos. O grupo de trabalho formado para tratar da matéria em 1992 é conhecido nos corredores da ONU como o "comitê sem-fim".
Uma das razões alegadas pelas potências pouco ou nada propensas a compartilhar os seus poderes exclusivos é a de que não há consenso sobre quantos seriam e de onde viriam os novos integrantes, como seriam escolhidos - e o que aconteceria com o poder de veto. Segundo uma hipótese, o privilégio seria estendido, depois de um período de quarentena, aos futuros membros permanentes, o que significa que teria de ser apenas um punhado. O Brasil, candidato ostensivo a uma vaga, reagiu bem à atitude de Obama. Lula falou em "abertura" do Conselho. Mas tardará até que as suas portas sejam desemperradas.