Liberdade de imprensa, compromisso de campanha 15/11/2010
- Carlos Alberto Di Franco
A então candidata Dilma Rousseff assumiu publicamente compromisso com a liberdade de imprensa e de expressão. Chegou a dizer, numa afirmação que contrasta com os precedentes de seu partido, que o único controle que admite é o controle remoto. Em seu primeiro discurso como presidente eleita do Brasil, Dilma renovou seu compromisso: "Prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras. As críticas do jornalismo livre ajudam o País e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório." Bom começo. Agora, os conceitos devem ser traduzidos em ações. E Dilma já tem pela frente um primeiro teste. Lula decidiu tocar adiante o polêmico projeto que cria o marco regulatório da comunicação eletrônica. Mas não o enviará ao Congresso. A decisão está nas mãos de Dilma Rousseff.
De acordo com o ministro Franklin Martins, padrinho do projeto, esse marco regulatório, uma vez criado, "vai garantir a concorrência, a competição, a inovação tecnológica, o atendimento aos direitos da sociedade à informação". Mas há grande desconfiança entre os profissionais de comunicação quanto a interesses já manifestados pelo governo de criar um controle social da mídia, o que significaria a censura à livre expressão.
A desconfiança não é gratuita. Afinal, em oito anos uma das constantes do governo Lula foi a tentativa de controlar os meios de comunicação. Desde o frustrado lançamento do Conselho Nacional de Jornalismo até a realização da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) em 2009, por convocação do governo Lula, o denominador comum é impressionante: tentar impor censura aos meios de comunicação e, em especial, à imprensa. Tenta-se, reiteradamente, montar um cenário aparentemente afirmativo: a defesa da "democratização" dos meios de comunicação. A palavra de ordem é romper a ação da "mídia monopolista". Mas o objetivo final é sempre o mesmo: controlar, punir, fiscalizar, censurar.
PUBLICIDADE
O propósito autoritário está sempre camuflado. Apresenta-se o governo como defensor da sociedade contra abusos e excessos cometidos por jornais, revistas, rádios e televisões. Ergue-se, igualmente, contra os formadores de opinião que se atrevem a contestar o discurso único. "Nós somos a opinião pública", declarou o presidente da República em notável arrebatamento.
O argumento não se sustenta. Para coibir abusos há a Justiça, como em qualquer sociedade democrática. Para garantir a democratização e a multiplicidade há a concorrência. O que o governo quer, lá no fundo mesmo, é o monopólio da comunicação para moldar a opinião pública em torno de um projeto de poder. Foi isso o que esteve no cerne de todas as tentativas. Nenhuma deu certo graças à força da sociedade civil brasileira.
Agora o governo resolveu comer o mingau pela beirada. Passou a bola, numa primeira etapa, aos Estados governados majoritariamente pelo PT. É o caso do Ceará, que já elaborou lei fiscalizadora e, com indisfarçável articulação, está sendo seguido por Alagoas, Piauí e Bahia. Pretende-se constituir conselhos para atuar no controle dos veículos de comunicação. O próximo passo é jogada cantada. O governo federal trataria de regulamentar a ação dos conselhos estaduais, sob pretexto de padronizá-los. Teríamos, por um atalho, instalada a censura no Brasil. Sei que há gente séria e bem-intencionada que, ingenuamente, acredita que os conselhos "fortalecem a democracia". Os conselhos podem ter uma fachada democrática, mas seu presumível aparelhamento os transforma rapidamente em braço do governo.
Não defendo, por óbvio, uma imprensa irresponsável. Sinto-me com autoridade moral para condenar o espírito dessas iniciativas. Afinal, tenho martelado, teimosa e reiteradamente, que a responsabilidade é a outra face da liberdade. Não sou contra os legítimos instrumentos que coíbam os abusos da mídia. Mas eles já existem e estão previstos na Constituição e na legislação vigente, sem necessidade de novas intervenções do Estado.
A tentativa fracassará. Por algumas razões. A primeira, sem dúvida, é a confiança na palavra empenhada pela presidente eleita. E Dilma Rousseff foi taxativa: "O único controle que admito é o controle remoto." Devemos dar ao seu governo o necessário crédito de confiança.
Em segundo lugar, temos a Constituição. Os conselhos de comunicação, creio, estão em rota de colisão com a Constituição. Na verdade, o artigo 220 do texto constitucional garante a liberdade de imprensa, afirmando que ela não pode sofrer nenhuma restrição. Ao assumirem, de fato, o controle da mídia, os conselhos inibem, na prática, o exercício do jornalismo independente.
Recentemente, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, assinalou que a entidade poderá questionar judicialmente a criação dos conselhos. "Não podemos tolerar iniciativas que, ainda que de forma disfarçada, tenham como objetivo restringir a liberdade de imprensa. A OAB vai ter um papel crítico e ativo no sentido de ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade contra a criação desses conselhos", afirmou.
Em terceiro lugar, a sociedade brasileira rejeita a censura. Segundo o professor de Ética e Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano, os eleitores mandaram um recado aos políticos por meio das urnas. "Não temos mais um rebanho", ponderou o especialista. Os mais de 40 milhões de votos dados ao candidato derrotado indicam algo. Há uma fatia expressiva do eleitorado que não se deixa levar pelo discurso populista. E isso, sem prejuízo da legitimidade do voto vitorioso, é muito importante como contraponto às aventuras autoritárias. A democracia brasileira amadureceu. É um fato. Agora, cabe esperar que a presidente Dilma Rousseff tenha a sabedoria de captar o recado profundo das urnas.
...
*DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, É PROFESSOR DE ÉTICA E DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO
E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR