O conserto da herança 07/12/2010
- O Estado de S.Paulo
O governo cortará gastos a partir de 2011 e nenhum Ministério será poupado, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. A ideia é preservar os programas sociais e os investimentos mais importantes, mas projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) poderão ser atrasados, acrescentou. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, já havia indicado a conveniência de um aperto nas contas públicas. Ao insistir no assunto, o ministro da Fazenda, convidado para permanecer no posto no próximo governo, dá um sinal positivo. Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defende a gastança e anuncia uma herança bendita para a sucessora, os ministros econômicos mostram algum realismo ao falar sobre as contas públicas. Pelo menos admitem alguns pontos essenciais para a adoção de uma política mais saudável nos próximos anos: 1) é possível e necessário conter a despesa federal; e 2) para diminuir a relação entre a dívida pública e o tamanho da economia, o governo terá de agir com mais austeridade. Esses pontos podem ser óbvios para muitas pessoas, mas foram negados pelas autoridades durante quase oito anos. A mudança, se não for apenas aparente, é promissora.
A administração petista dependeu quase sempre do aumento da arrecadação - e da carga tributária - para obter algum superávit primário e pagar pelo menos parte dos juros vencidos em cada ano. Só houve algum aperto em 2003, primeiro ano da gestão do presidente Lula. A partir de 2004 a despesa federal cresceu em média 9% ao ano, descontada a inflação, bem mais, portanto, que a produção nacional.
Esse crescimento ocorreu principalmente nos itens de custeio, como a folha de pessoal. Os salários e encargos vão continuar em expansão nos próximos anos, graças às bondades oficializadas até as vésperas da campanha eleitoral. Os cortes a partir de 2011 deverão ocorrer principalmente nos itens de custeio e de forma não linear, segundo o ministro, para não prejudicar seriamente os principais projetos de cada Ministério.
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Embora admitindo problemas, o ministro da Fazenda não deixou de acrescentar um pouco de maquiagem aos fatos. Segundo ele, o aumento de gastos cumpriu um papel anticíclico e já se pode, agora, reduzir os subsídios e as transferências para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). São necessárias pelo menos três correções.
Em primeiro lugar, os gastos com pessoal e outros itens de custeio cresceram desde o começo da crise. Não são despesas tipicamente anticíclicas e não se reduzem facilmente depois de vencida a crise. Em segundo, as transferências do Tesouro para o BNDES foram mantidas até este ano e duraram, portanto, muito mais que a recessão e a fase de escassez de crédito. Em terceiro, uma grande parcela desse dinheiro foi dirigida à Petrobrás e a outros grupos poderosos. De acordo com o BNDES, entre janeiro de 2009 e setembro de 2010 68,9% dos desembolsos financiados por aquelas transferências (R$ 139,6 bilhões) foram destinados a grandes clientes dos setores de infraestrutura, insumos básicos e bens de capital fabricados sob encomenda. Em julho de 2009, já vencida a pior fase da crise, houve um repasse de R$ 25 bilhões para a Petrobrás. Quando se consideram só os projetos incluídos no PAC e financiados com empréstimos do BNDES, o Grupo Petrobrás aparece como principal beneficiário.
O ministro reconheceu a predominância das estatais entre as empresas beneficiadas com as subvenções concedidas por meio do BNDES. Será preciso, afirmou, abrir espaço para o setor privado. Se quisesse contar toda a história, teria de reconhecer os perigos da promiscuidade entre o Tesouro e os bancos públicos.
O novo governo tentará, segundo se anunciou pouco depois da eleição, reduzir para 30% a relação entre a dívida pública líquida e o Produto Interno Bruto (PIB). A proporção, hoje, é de cerca de 41%. Segundo o ministro, o esforço fiscal abrirá espaço para uma política monetária mais branda e para a redução dos juros. Ele demorou a reconhecer a relação entre o excesso de gastos e os juros elevados e há poucos dias ainda negava os efeitos inflacionários da gastança.