Mais uma vez os governadores conseguiram adiar - agora por nove anos - o início da devolução do ICMS pago a mais pelas indústrias na compra de bens de consumo, energia elétrica e serviços de telefonia utilizados no seu processo de produção. Pela regra vigente até agora, esses créditos deveriam ser pagos a partir de 1.º de janeiro de 2011. Mas, em sessão extraordinária, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que, como queriam os governadores, adia o início do pagamento para 1.º de janeiro de 2020.
O projeto precisa ser votado pelo Senado, pois foi modificado pelos deputados. Como é do interesse de todos os governadores, independentemente de seu partido - há alguns dias, governadores eleitos pelo PSDB, pelo PT e pelo PSB reuniram-se com o presidente da Câmara e vice-presidente eleito, Michel Temer, para reivindicar a rápida votação da medida pelos deputados, no que foram inteiramente atendidos -, é muito provável que também os senadores aprovem a nova versão do projeto com rapidez, para que o texto seja sancionado pelo presidente da República antes do fim do ano.
É uma questão antiga, que os governadores, por meio de pressões sobre os congressistas, vêm conseguindo empurrar com a barriga praticamente desde a publicação da Lei Kandir (Lei Complementar n.º 87, de 13 de setembro de 1996), que prevê a desoneração do ICMS nas exportações de produtos básicos e semielaborados.
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A Lei Kandir reforça o princípio constitucional da não cumulatividade do ICMS, isto é, o imposto só pode ser cobrado sobre a atividade específica de cada etapa e o valor cobrado nas etapas anteriores deve ser compensado. Ela assegura a isenção das exportações e também a devolução, para o produtor, do ICMS cobrado ao longo da cadeia de produção do bem exportado. Mas a quitação dessa compensação vem sendo sistematicamente adiada. A decisão da Câmara é a quinta prorrogando o prazo para o início da concessão do crédito tributário às indústrias que pagaram ICMS a mais.
Com isso os governadores terão mais folga financeira ao longo do mandato. De acordo com cálculos oficiais, o valor dos créditos anuais chega a R$ 19,5 bilhões, ou 11,1% da arrecadação anual do ICMS. À primeira vista, parece um exagero. Mas é preciso observar que esse dinheiro, que vem entrando com regularidade nos cofres estaduais, é indevido e torna o Brasil um raro caso no mundo de exportador de impostos - os principais concorrentes do País no mercado internacional não tributam as exportações -, o que reduz a competitividade de nosso produto.
Além disso, os governos estaduais tiveram tempo suficiente para organizar suas finanças sem computar essa receita, mas não o fizeram, pois sabiam que uma decisão política - como a que tomou a Câmara e deverá tomar o Senado, com a concordância do Executivo federal - os socorreria.
Chega a ser curioso que esse comportamento dos governos estaduais - revelador, ao mesmo tempo, de seu desinteresse em melhorar o desempenho da economia e de sua preocupação única com a arrecadação tributária, para poder gastar mais - tenha sido utilizado pelo relator do projeto na Comissão de Finanças e Tributação, deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), para justificar sua aprovação. A prorrogação do prazo para o início da devolução do ICMS pago a mais, disse ele, é necessária porque os Estados não se prepararam para honrar os créditos previstos. É um argumento que estimula os Estados a não se preparar para pagar o que devem.
Reconheça-se que, num ponto, a decisão da Câmara beneficia a população. O projeto inicial, que começou a tramitar no Senado em 2002, previa a cobrança do ICMS em todas as etapas de produção de energia elétrica, o que tornaria mais cara a conta de luz para todos os consumidores.
A versão aprovada pela Câmara resume-se a substituir, na Lei Kandir, o ano a partir do qual os governos estaduais deverão devolver o imposto que estão cobrando a mais desde 1996.