Desprezo pela opinião pública 17/12/2010
- O Estado de S.Paulo
De nada adiantaram o protesto - "fizeram isso só pensando no interesse próprio" - e a advertência - "vão acabar agredidos na rua" - da deputada Luiza Erundina (PSB-SP) contra o projeto de decreto legislativo que aumenta os salários dos deputados e senadores e, por extensão, também os do presidente e do vice-presidente da República, dos ministros de Estado e dos deputados estaduais e vereadores de todo o País. Para os congressistas que aprovaram o aumento em tempo recorde, certamente os ganhos compensam o risco.
É um ganho que nenhum assalariado que vive da remuneração de seu trabalho conseguiu ou conseguiria obter. Do início de 2007 até agora, período de vigência da atual remuneração dos congressistas, a inflação oficial foi de 20,9%. O injustificável aumento que deputados e senadores se autoconcederam é de 61,83%, o triplo do que receberam, em média, os brasileiros comuns, que recolhem os impostos utilizados no pagamento dos parlamentares.
É um aumento descomunalmente alto, que comprova, mais uma vez, a enorme distância entre as preocupações dos congressistas e a realidade em que vivem seus eleitores.
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Foi no último dia dos trabalhos da atual legislatura que, em votação relâmpago - apenas simbólica, sem registro da posição individual de cada parlamentar no painel eletrônico da Câmara -, os congressistas elevaram seus vencimentos para equipará-los ao dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que é o teto do funcionalismo público. Na Câmara, em meia hora, a sessão foi aberta, o texto aprovado e o projeto enviado ao Senado. No Senado, a sessão durou apenas o tempo para a leitura do projeto, de 12 linhas, e a formalização, pelo presidente, senador José Sarney, da aprovação. Desse modo os salários passarão de R$ 16.512 para R$ 27.723,13, a partir de 1.º de fevereiro.
O aumento porcentual concedido ao salário do presidente e do vice-presidente da República é ainda mais alto, de 133,96%. Nesse caso, porém, é preciso reconhecer que a medida corrige uma grave distorção que havia no serviço público federal. O salário do presidente da República era o mais baixo entre os chefes dos Três Poderes. Como o salário do presidente baliza o dos ministros de Estado, este era muito baixo comparado com os de profissionais da iniciativa privada com preparo e responsabilidade equivalentes aos de um funcionário público do primeiro escalão.
No caso de senadores e deputados, porém, o aumento é condenável não apenas por ser escandalosamente alto - representa gastos adicionais de R$ 136 milhões por ano - e pelo efeito cascata que produz, pois os deputados estaduais podem receber até 75% do que ganham os federais e os vereadores podem fixar seus vencimentos de 20% a 75% do que recebem os deputados estaduais. A decisão causa indignação também porque os congressistas têm muitos direitos, expressos em cifrões, de que não gozam os demais cidadãos.
Deputados e senadores recebem, como outros trabalhadores, 12 salários mensais mais o décimo terceiro. Mas gozam do privilégio de receber um salário adicional no início da sessão legislativa e outro no fim. Ou seja, recebem 15 salários por ano.
Eles têm também direito à verba mensal indenizatória, de R$ 15 mil, para cobrir gastos com aluguel, gasolina e alimentação em seus Estados de origem. Se não morarem em apartamentos funcionais, têm direito a auxílio-moradia de R$ 3.800 por mês. Podem também contratar, com dinheiro público, assessores pessoais (no caso dos senadores, a contratação é feita diretamente pelo Senado, até o gasto mensal total de R$ 54 mil; na Câmara, os deputados têm verba mensal de R$ 60 mil para contratar assessores), cujo trabalho lhes é muito útil em período eleitoral.
Há mais vantagens. Têm direito a ressarcimento de despesas médicas, sem limite de valor (despesas odontológicas dos senadores são ressarcidas sem limites; na Câmara, há limite). Dispõem de cota postal e telefônica, verba para passagens áreas, direito de usar a gráfica e direito a cinco publicações diárias. São brasileiros muito especiais.