Saúde pública em Cáceres: Ineficiência e medo -- dor e humilhação 18/12/2010
- Nancy Lopes Yung
A ineficiência e o medo, a dor e a humilhação são as faces da moedinha da saúde pública em Cáceres. A ineficiência e o medo é a cara da moedinha que representa o funcionamento da saúde pública, em Cáceres; a dor e a humilhação é a face dos que necessitam dos serviços públicos de saúde.
A discussão ética em torno da saúde pública em Cáceres não existe porque não existe ética profissional no atendimento a quem necessita de tais serviços. Discute-se saúde pública em Cáceres relacionada ao estresse causado pela síndrome do “não sei” e do “não tem” que acomete tanto os funcionários quanto os enfermos – “Não sei quem responde por este setor. Não sei de quem é essa responsabilidade. Não sei quando terá médico para atender, para operar. Não sei... não sei... não sei.... Não tem material. Não tem remédio. Não tem médico. Não tem material esterilizado. Não tem especialista nesta área. Não tem... não tem... não tem...”.
Discute-se saúde pública, em Cáceres, fazendo-se referência ao corredor da agonia, da morte, do medo, da mutilação, das reclamações, da exposição pública das dores e dos sofrimentos, da falta de respeito pela dor do outro, causada pela falta de profissionalismo e de profissionais competentes.
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As más condições de atendimento dos enfermos, o regime de confinamento nos corredores e enfermarias, sem assistência médico-hospitalar e a falta de tratamento humanitário desenvolvem insanidades de uma forma particularmente perigosa, produzem danos físicos e emocionais aos doentes e aos seus familiares, deixam pessoas mutiladas, e despertam tendências suicidas e homicidas.
Adicionalmente, a quantidade de dias que um enfermo permanece no corredor da agonia é considerado problemático, pelo fato de este se sentir sem perspectiva de vida útil e socialmente produtiva. Por inércia administrativa, o cidadão também se sente um excluído social, improdutivo, sendo condenado a se tornar um “encostado” do INSS.
Coitado de quem procura os serviços públicos de saúde! O funcionamento de atendimento da saúde pública em Cáceres é ruim. Sobram funcionários públicos e faltam profissionais.
Funcionalismo e profissionalismo não se confundem. A palavra funcionalismo tem sua raiz em FUNÇÃO, que traduz a atividade funcional de um órgão, obrigação a cumprir, papel a desempenhar. O termo se filia a funcionalismo como engrenagem.
A saúde em Cáceres está doente, marcada pela disfuncionalidade. A prestação de serviço na saúde pública não funciona graças aos moldes como está “ajeitada”, administrada por funcionários públicos e não por profissionais. A saúde está mal, graças à ineficiência do funcionalismo público, do mais alto ao mais baixo escalão, do funcionário concursado ao funcionário apadrinhado.
O funcionário público concursado se encolhe em seu canto, por medo ou preguiça de se envolver, se manifestar e arrumar serviço para si e para outros, afinal, funcionando ou não, ele já tem a estabilidade de um salário no final do mês; o investido no cargo por apadrinhamento, também se encolhe para não arrumar conversa com os “colegas” ou se desgastar com seus padrinhos.
Encolhido em um sistema público, administrativo deficitário, o funcionalismo público desempenha funções, e mal! Sem nenhum vestígio de profissionalismo. Daí que, o que você encontra pelas salas e corredores dos órgãos públicos encarregados da saúde do “povão”, são funcionários públicos e não profissionais, exercendo sua profissão. São funcionários públicos exercendo funções mais burocráticas que humanas. O funcionalismo público não funciona porque falta competência profissional e gerencial. O ser é limitado pelo sistema. Ninguém resolve nada. As responsabilidades exigidas pela profissão não são desempenhadas por falta de ação e gerenciamento organizacional.
A dor e a humilhação são de quem precisa dos serviços públicos para a saúde. A dor é física e é o que motivou o cidadão a procurar o serviço público, o posto de atendimento ou o hospital. A humilhação é mental, é psicológica, e nasce com os maus tratos. A partir do momento em que o cidadão cruza os portões e portas dos prédios públicos, começa o sofrimento, a humilhação, a exposição pública de sua desgraça, e ele deixa de ser cidadão, e passa a ser coisa sem voz. Adentra-se ao corredor da morte, da agonia, da humilhação, da espera, da ansiedade, da exposição pública, da debilidade física, da falta de privacidade para fazer até as necessidades fisiológicas, e às vezes, até da morte.
Quem são os joelsons, os sinvaldos, os cleidsons, os sebastiões, os paulos, os eduardos, os zés, as marias, as terezas, as cláudias, as andréias, a alines, as nancys nas enfermarias e nos corredores da agonia dos órgãos públicos da saúde? São coisas. Coisas que perdem sua condição de ser humano e cidadão, que são coisificados e vitimados pela inoperância dos funcionários públicos que não funcionam.
Acreditando no poder Judiciário, ainda há aqueles cidadãos que correm atrás da justiça para tentar pela interposição judicial arrancar do funcionalismo público da saúde algum tipo de ação de profissionalismo, de meritocracia, de resgate de dignidade e serviço assistencial para os que estão no corredor da agonia. Mas, nada! É inútil.
O funcionalismo público da saúde tripudia até com a justiça e mostra a cara da sua incompetência profissional e organizacional.
Para “supostamente” atender a uma liminar da justiça que determina atendimento de urgência a um dos enfermos do corredor da agonia, acometido por uma fratura do fêmur, transferem- no do Hospital Regional de Cáceres e o transportam sem nenhum acompanhamento médico de imobilização do osso fraturado, para o Pronto Socorro de Cuiabá! Para o Pronto Socorro de Cuiabá!
A ingerência e a omissão de socorro ao enfermo se transforma em um espetáculo de dor e horror, desde a saída do Hospital Regional até a entrada no Pronto Socorro de Cuiabá. A dor foi para o enfermo e o horror foi para aqueles “leigos” que tentam ser presentes e tentam ajudar na remoção, quando, em Cáceres, não se contava sequer com um funcionário público maqueiro para ajudar no transporte do enfermo até a ambulância. No Pronto Socorro de Cuiabá, o auge do horror se institui na cara tanto dos funcionários públicos daquela unidade quanto dos enfermos, às dezenas, depositados no corredor da agonia daquele lugar.
O horror é coroado com a ousadia e a incompetência dos funcionários públicos da saúde de Cáceres. Ignorantes à situação deprimente do Pronto Socorro de Cuiabá, conforme a mídia divulga, eles enfrentam a justiça e, passam a “bola pra frente”, removem o doente para o inferno da superlotação e falta de atendimento que está no Pronto Socorro de Cuiabá!
A pressão emocional a que o doente e a família deste são submetidos se afigura como um propósito praticado pelos funcionários da saúde. Por trás da evidência deficitária de atendimento médico parece que funciona uma máfia. A falta de profissionalismo e gerência organizacional-administrativa dos funcionários públicos da saúde produzem fissuras no relacionamento familiar e pressiona a família a tomar atitudes. Obrigados pelos fatos, pela omissão de socorro, pela falta de encaminhamentos sérios, a família do enfermo é pressionada a, impotente, esperar a morte ou a invalidez de seus entes queridos, ou vender o que não tem e procurar serviços particulares de atendimento médico-hospitalar. Foi o que nós fizemos.
Depois de ver um ente familiar, ainda jovem, sendo condenado à mutilação, à morte ou à invalidez e à improdutividade social, depositado por 15 dias infernais, nos corredores da agonia, demos nossos pulos e o encaminhamos para atendimento emergencial na iniciativa médico-hospitalar privada.