A inundação de dólares 19/12/2010
- O Estado de S.Paulo
A enxurrada vai continuar, promete o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), confirmando a intenção de emitir US$ 600 bilhões até o fim do primeiro semestre do próximo ano. Dólar sobrando é dólar barato e isso é boa notícia para a indústria americana, porque seus produtos se tornam mais competitivos.
Para o Brasil é má notícia em dose dupla, porque a moeda chinesa, já depreciada, continuará acompanhando a americana. Com o real valorizado, o produtor brasileiro já está em desvantagem diante da concorrência estrangeira.
Competir ficou muito difícil tanto no exterior quanto no mercado interno, invadido por empresas de fora. Esse quadro, confirma-se agora, dificilmente mudará nos próximos seis meses.
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O Fed havia anunciado em novembro a intenção de comprar até US$ 600 bilhões de papéis do Tesouro em circulação no mercado, para estimular a expansão do crédito e facilitar a recuperação da economia americana. A estratégia poderia ser alterada, se houvesse bons indícios de melhora. Mas o cenário continua ruim. Na quarta-feira, em sua última reunião do ano, o Comitê de Mercado Aberto do Fed resolveu manter os juros básicos entre zero e 0,25% ao ano e reafirmou o plano de compra de títulos.
Continuará, portanto, emitindo cerca de US$ 75 bilhões por mês para recolher os papéis e entregar recursos ao mercado. A reativação da economia continua muito lenta, segundo nota distribuída depois da reunião. Por isso a estratégia adotada no mês anterior será mantida.
Quanto à política chinesa não há dúvida. Se o dólar continuar em queda, o yuan deverá segui-lo. O acompanhamento poderá ser imperfeito, mas, ainda assim, a relação entre o dólar e a moeda chinesa pouco deverá mudar. O desajuste cambial, nesse caso, poderá tornar-se pior para os demais países.
No fim da semana passada, o vice-diretor da administração cambial chinesa, Deng Xianhong, reafirmou a política oficial. Os exportadores chineses, segundo ele, não suportariam uma valorização mais acentuada do yuan.
O governo de Pequim terá de adotar medidas para conter o aumento da inflação. A taxa anual chegou a 5,1% em novembro e a política monetária será mais apertada. Isso poderia contribuir para uma valorização cambial mais acentuada. Além disso, a política fiscal continuará sendo usada para manter o crescimento econômico. Mas o governo continuará agindo para evitar uma alteração mais acentuada do câmbio. As importações chinesas têm aumentado, mas as vendas ao exterior continuam crescendo e o país mantém um amplo superávit comercial - US$ 22,9 bilhões no mês de novembro, inferior ao de outubro, US$ 27,1 bilhões, mas muito maior que o de novembro do ano passado, US$ 19,1 bilhões.
O governo brasileiro tem acusado o americano de promover uma guerra cambial, com a desvalorização do dólar, mas raramente tem mencionado a política chinesa de permanente depreciação do yuan. O desajuste do câmbio foi discutido no mês passado por ministros e chefes de governo do Grupo dos 20 (G-20). Foram combinadas medidas de médio prazo para supervisão dos mercados, mas ninguém se comprometeu a tomar medidas imediatas para corrigir os desequilíbrios. Não se pode, portanto, esperar mudanças importantes nesse quadro nos primeiros meses de 2011.
A presidente eleita, Dilma Rousseff, e seus principais auxiliares econômicos devem levar em conta esse dado ao desenhar a estratégia do seu primeiro ano de governo. O quadro internacional será desfavorável não só por causa do prolongamento da crise, mas também porque a desordem cambial continuará afetando o comércio.
Especialistas do setor privado continuam projetando para o próximo ano uma sensível piora das contas externas brasileiras. Segundo suas estimativas, o saldo comercial cairá para US$ 87 bilhões. Para este ano o saldo projetado é de US$ 16,1 bilhões. O déficit em conta corrente deverá aumentar de US$ 50 bilhões em 2010 para US$ 69 bilhões em 2011. Não é um cenário crítico, mas com certeza uma luz de alerta já está acesa. Cuidar da competitividade é uma tarefa urgente.