As promessas de Dilma 02/01/2011
- O Estado de S.Paulo
O governo da presidente Dilma Rousseff será bem mais que uma continuação dos oito anos de seu antecessor, se ela cumprir as promessas mais audaciosas de seu discurso de posse. Ela prometeu retomar a pauta de reformas, abandonada quase inteiramente durante os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se houver empenho nessa missão, o Brasil poderá nos próximos quatro anos não só avançar algumas posições entre as grandes economias. Poderá também acumular os benefícios combinados da modernização produtiva e da consolidação democrática e estará, portanto, muito mais qualificado para integrar o Primeiro Mundo.
A presidente definiu como "tarefa indeclinável e urgente" a reforma política, necessária para aperfeiçoar a democracia e "fortalecer o sentido programático dos partidos". Há muito emperrado no Congresso Nacional, esse projeto recebeu escassa atenção do último governo, mais inclinado a recorrer ao fisiologismo do que a aperfeiçoar as instituições.
O desinteresse pela modernização institucional também permite explicar, em boa parte, a estagnação do regime tributário, cada vez mais nocivo a uma economia moderna e aberta. A presidente apontou os tributos como um dos obstáculos ao desenvolvimento e defendeu sua reforma com base nos critérios da simplicidade e da racionalidade.
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De forma discreta, a presidente Dilma Rousseff procurou impor sua marca no tratamento das questões econômicas e sociais. Em dois momentos afirmou seu compromisso com a estabilidade e mencionou explicitamente a importância do controle da inflação. O crescimento associado a fortes programas sociais impõe a manutenção de sólidos fundamentos econômicos. "Isso significa - reitero - manter a estabilidade econômica como valor absoluto." Essa ênfase é sem dúvida uma novidade.
Ao mencionar a importância do Estado como provedor de serviços básicos e de previdência, falou em "custos elevados para toda a sociedade". Mas, em vez de defender a carga tributária, propôs a melhoria dos serviços e a qualificação dos gastos governamentais. Também nesse ponto sua fala se distanciou da retórica do presidente Lula, acostumado a defender a tributação brasileira como perfeitamente razoável e indispensável para custear a ação do governo. A qualidade dos gastos e a eficiência do serviço público têm sido um tema da presidente desde sua eleição. Seu antecessor sempre tratou essas questões como se fossem preocupações das "elites".
Também ao tratar do pré-sal a presidente mostrou uma perspectiva diferente daquela revelada, quase sempre, nos pronunciamentos do presidente Lula. Depois de mencionar a responsabilidade de converter a riqueza do pré-sal em "poupança de longo prazo" e em novo instrumento de modernização econômica e social, a presidente acrescentou: "Recusaremos o gasto apressado, que reserva às futuras gerações apenas as dívidas e a desesperança." Para que essa declaração, intrigante à primeira vista, se não para marcar, mais que uma posição, uma diferença?
A presidente Dilma Rousseff insistiu na promessa de continuidade marcada por avanços. Até aí, nada de surpreendente, até porque essa devia ser a expectativa da maior parte - senão da totalidade - de seus eleitores. Apesar disso, seu discurso teve também o indisfarçável tom de uma nova Carta ao Povo Brasileiro, destinada a afastar inquietações e a afirmar a identidade de um novo governo. Ao qualificar como "inegociável" seu compromisso com as liberdades individuais e, de modo especial, com a liberdade de imprensa e de opinião, a nova presidente parece ter feito muito mais que uma rotineira declaração de princípios.
Esses temas foram tão importantes no debate político recente quanto o risco de calote da dívida pública, nos meses anteriores à eleição do presidente Lula, em 2002. Para não dar o calote, ele precisou renegar teses tradicionais do PT e as próprias opiniões. Para consolidar o respeito às liberdades democráticas e, de modo particular, à liberdade de imprensa, a presidente Dilma Rousseff terá de renegar não só bandeiras de seu partido, mas também as pretensões do governo chefiado por seu antecessor e principal artífice de sua eleição.