A presidente enfrenta a tigrada 05/01/2011
- O Estado de S.Paulo
A partilha do poder é da lógica das coisas nos sistemas políticos, como o brasileiro, que praticamente impõem a formação de coligações eleitorais para a conquista do Executivo e de coalizões partidárias para o exercício do governo. Mas, podendo a política ser o que se queira, menos um jogo com regras rígidas, o modo como se dá o rateio do comando da administração comporta uma infinidade de variantes. E estas dependem, antes de tudo, tanto da correlação das forças em presença quanto da atitude do presidente empossado diante das demandas conflitantes dos correligionários, aliados e respectivas facções.
No caso que analisamos, a presidente Dilma nem pode agir como se a aprovação dos projetos com os quais pretende marcar a sua gestão estivesse desde logo assegurada pela amplitude aritmética das maiorias de que dispõe no Congresso; nem pode fazer concessões a torto e a direito na montagem da cúpula administrativa em nome da decantada governabilidade. Não pode porque o chamado bloco majoritário não funciona automaticamente de acordo com o que a expressão sugere: a coesão da frente governista depende em primeiro lugar da saciação dos apetites das lideranças e caciquias que constituem o alto clero parlamentar e cujo poderio é medido, em ampla escala, pelo número de afilhados que conseguem alojar nos andares superiores do edifício estatal.
E não deve se resignar à voracidade dos políticos a fim de não malbaratar já na primeira hora o capital de autoridade obtido nas urnas.
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Tais são as condições estruturais, com que se defronta a presidente Dilma Rousseff nesta etapa que se segue à formação da equipe ministerial - a da escolha dos nomes para o segundo escalão do governo, que inclui cargos não menos ambicionados do que os anteriores. Eles entram no espólio a ser repartido em razão de uma realidade nefasta: a apropriação, pelo sistema político, de funções públicas que deveriam ser exercidas por uma elite gestora selecionada em função do seu currículo técnico-profissional.
Essa modalidade de privatização do Estado faz da definição dos titulares dos órgãos da administração direta e indireta um desdobramento natural dos embates partidários pela ocupação da Esplanada dos Ministérios e sujeita a presidente da República a pressões que configuram verdadeiras tentativas de chantagem. O protagonista central do deplorável espetáculo, como não poderia deixar de ser, é o PMDB do vice-presidente Michel Temer. Alegando terem sido preteridos em favor do PT na arrumação ministerial, os frustrados patronos da fisiologia tentaram ser ressarcidos no segundo tempo do jogo. Mas a história se repetiu.
Não bastasse verem escapar das mãos o Ministério da Saúde, onde o peemedebista José Gomes Temporão foi substituído pelo petista Alexandre Padilha, secretário das Relações Institucionais no último ano do governo Lula, souberam que serão despojados das duas principais agências da Pasta, a Secretaria de Atenção à Saúde e a Fundação Nacional da Saúde (Funasa). O orçamento da primeira é da ordem de R$ 45 bilhões. O da segunda, R$ 5 bilhões. Não se tem notícia de que o PMDB tenha apresentado candidatos de notório saber e ilibada reputação para a condução de um ou outro organismo. Mas os mandachuvas da legenda não esconderam que a privação do acesso a recursos daquela monta contribuiu para encrespar a sua ira. (O partido perdeu também para o PT o comando dos Correios).
Com o habitual cinismo, deixaram no ar que poderiam vingar-se do governo na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, em 1.º de fevereiro, fazendo corpo mole diante da candidatura do petista gaúcho Marco Maia. Talvez não contassem com a resistência da presidente Dilma. Desativando a armadilha, ela decidiu adiar para depois das eleições nas duas Casas do Congresso as nomeações do segundo escalão. Nas mencionadas condições objetivas que a cercam, Dilma não tinha alternativa para livrar-se do assédio da tigrada. Mas trata-se, apenas, de um adiamento da crise que já se anunciava. Eleitas as Mesas do Congresso, estará recomeçando a briga que certamente não terminará com o preenchimento dos cargos em disputa por técnicos competentes.