Da guerra cambial à comercial 11/01/2011
- O Estado de S.Paulo
A guerra cambial pode tornar-se uma guerra comercial, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao Financial Times, de Londres. A última guerra comercial ocorreu nos anos 30 do século passado e tornou mais difícil a superação da crise iniciada em 1929. Por enquanto, a participação brasileira no conflito cambial é meramente defensiva.
O Ministério da Fazenda e o Banco Central (BC) têm agido para conter a valorização do real, desastrosa para a produção brasileira. O problema agravou-se desde o fim do ano, com a depreciação mais rápida da moeda americana.
Na semana passada, o ministro anunciou a possibilidade de novas intervenções no câmbio. Logo em seguida, o BC impôs aos bancos um depósito compulsório de 60% sobre as posições vendidas acima de US$ 3 bilhões.
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Poucos dias depois, Mantega voltou a cantar o jogo, prometendo operações no mercado futuro, segundo noticiou o jornal britânico. A intervenção, desta vez, envolve o Fundo Soberano do Brasil (FSB), de acordo com resolução publicada segunda-feira no Diário Oficial.
O governo decidiu autorizar o BC a comprar dólares para o FSB no mercado futuro. Especialistas interpretaram a decisão imediatamente como sinal verde para o BC retomar as chamadas operações de swap reverso, interrompidas há cerca de um ano por dúvidas quanto à sua legalidade. Agora o Ministério da Fazenda assume a responsabilidade. Nas operações de swap cambial, o BC vende papéis da dívida pública e compra dólares no mercado futuro. No fim do prazo, os dois lados fazem o acerto, confrontando a variação dos juros e a do câmbio. A intenção das autoridades é elevar a procura de dólares e forçar a sua valorização ou, no mínimo, impedir uma depreciação acelerada. São possíveis outras formas de intervenção no mercado futuro, mas o swap reverso era a aposta de boa parte dos analistas, nessa segunda-feira.
Outros governos sul-americanos, incluído o chileno, têm prometido agir no mercado de câmbio para conter a valorização de suas moedas. Autoridades da Coreia do Sul e do Japão realizaram intervenções no ano passado. Todo o esforço de vários governos, até agora, foi no entanto insuficiente para reduzir o desequilíbrio cambial, causado principalmente pelas políticas da China e dos Estados Unidos.
A moeda chinesa está desvalorizada há muitos anos. As autoridades da China vêm prometendo há anos atenuar essa distorção, mas sua política nunca foi alterada de forma significativa. Houve alguma valorização do yuan, em certos momentos, mas a variação foi sempre muito limitada e insuficiente para afetar as condições de competição comercial. A depreciação da moeda americana acelerou-se a partir da crise, quando o banco central dos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed), começou a emitir grandes volumes de moeda para socorrer os bancos e, depois, para tentar estimular a reativação da economia. Essa estratégia foi reafirmada em novembro, com a promessa de emissão de mais US$ 600 bilhões até abril.
As autoridades americanas negam a intenção de depreciar o dólar e de participar de uma guerra cambial, mas a consequência prática, para o resto do mundo, é essa mesma: moeda americana em queda e problemas de competição para outros países, por causa do encarecimento de seus produtos. O amplo desajuste no câmbio torna muito próximo o risco de uma guerra cambial, com uma nova onda de protecionismo e de subsídios de todo tipo.
O governo brasileiro, disse o ministro Mantega, poderá levar à Organização Mundial do Comércio (OMC) o problema da guerra cambial. Qualquer iniciativa desse tipo será oportuna, embora seja difícil apostar num resultado positivo. Segundo o entendimento mais comum, a OMC tem autoridade para condenar subsídios fiscais e financeiros e barreiras protecionistas, mas não para examinar acusações de manipulação cambial.
É tempo, no entanto, de tentar envolver a OMC também nesta questão. O assunto é muito complexo e será difícil a criação de normas para o sistema cambial. Acolher o debate, no entanto, pode ser do interesse da própria OMC. Será uma forma de mostrar sua relevância e de garantir a própria sobrevivência.