O novo recorde das importações brasileiras em 2010 é geralmente explicado pelo aquecimento do mercado interno e pelo câmbio sobrevalorizado. Mas há um terceiro fator: 13 Estados da Federação oferecem benefícios fiscais para a importação, reduzindo a alíquota do ICMS sobre determinados produtos ou postergando o recolhimento do tributo e até mesmo financiando a obrigação tributária. Esta é uma flagrante ilegalidade, uma vez que a concessão desses incentivos não foi aprovada pelo Conselho de Política Fazendária (Confaz), colegiado que reúne os secretários da Fazenda dos Estados e cujas resoluções devem ser tomadas por unanimidade. Não há dados que permitam avaliar o total das importações que se valeram desses artifícios, mas não é exagero afirmar que eles já custaram alguns bilhões de dólares ao País.
Empresários e entidades empresariais vêm reclamando há tempo desse favorecimento a produtos importados, utilizados por indústrias localizadas nos Estados que se valem desse sistema. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) chegou a propor ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Estado do Paraná, questionando dispositivo de uma lei estadual que concedeu redução de ICMS sobre a importação de diversos produtos.
Mas não foi só o Paraná que agiu dessa forma. Também a vizinha Santa Catarina, e com frequência lê-se nos jornais que outros Estados adotaram leis semelhantes. Com isso, além de favorecer indústrias locais, os Estados procuram aumentar o movimento de seus portos, de modo a enfrentar a concorrência de outros terminais. Assim, produtos que normalmente deveriam pagar 12% de ICMS ingressam no País recolhendo 3% do produto ou menos.
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Essa verdadeira farra resulta em prejuízo direto da indústria instalada no País, já afetada pelos baixos preços oferecidos por competidores estrangeiros impelidos pela crise internacional a exportar tudo o que puderem, sendo o Brasil um dos principais alvos dessa ofensiva.
Recentemente, o Instituto de Aço Brasil (IABr) realizou um levantamento mostrando que a taxa de penetração de importados no consumo nacional de produtos siderúrgicos subiu para 20% em 2010, quase cinco vezes o índice histórico que variava entre 4% e 6%. Entre outros produtos, o volume de importações de plásticos transformados teve um acréscimo de cerca de 40% no ano passado, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Plástico (Abiplast). Os exemplos se multiplicam.
Os Estados de Minas Gerais e São Paulo reagiram a essa guerrilha fiscal, não reconhecendo os créditos tributários resultantes dos benefícios concedidos por outras unidades da Federação. São Paulo foi além. Segundo determinação do governo estadual, os sócios e executivos de empresas que fizeram uso de reduções tributárias não autorizadas pelo Confaz devem sofrer autuações e podem ficar sujeitos a processos criminais. Se o contribuinte não for absolvido na instância administrativa, as representações serão encaminhadas pela Secretaria da Fazenda ao Ministério Público para abertura de inquérito policial.
A bem da verdade, o governo federal não permaneceu indiferente a essa distorção, tanto mais gritante em uma fase em que ele mesmo se queixa de uma "guerra cambial" que estaria levando o comércio mundial à desordem. O ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) Miguel Jorge encaminhou ao Ministério da Fazenda, na primeira quinzena de dezembro, uma proposta de decreto alterando o regulamento aduaneiro, de modo que a Receita Federal só poderá liberar importações que tiverem recolhido ICMS equivalente à alíquota mínima cobrada nas transações interestaduais.
Cabe agora ao novo titular do MDIC, Fernando Pimentel, trabalhar junto ao Palácio do Planalto para que o decreto seja promulgado o mais depressa possível. Não é preciso esperar uma reforma fiscal-tributária ampla para coibir essa artimanha ilegal, que concorre para reduzir a participação da indústria instalada no País no Produto Interno Bruto (PIB), impedindo que ela gere mais empregos.