Depende do freguês 19/01/2011
- Eliane Cantanhêde - Folha de S.Paulo
A Constituição brasileira garante o sigilo telefônico, a não ser que a Justiça autorize o contrário. Mas, cá entre nós, pra que serve a Constituição, não é mesmo?
A Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, deu de ombros e decidiu que vai ter acesso total a dados sigilosos dos telefones, conforme nos relata hoje na Folha o jornalista Julio Wiziack.
Em vez de cuidar dos nossos interesses, a Anatel decidiu vigiar os nossos telefonemas. Vai saber com quem você fala, a que horas, por quanto tempo, quantas vezes por dia ou por semana. Você vai estar na mão dela.
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Um exemplo: vai saber quais são todas as fontes de informação dos jornalistas. E preservar a fonte é um antigo direito, que interessa não apenas ao próprio jornalista e à própria fonte, mas ao leitor, ao ouvinte, ao telespectador.
Enquanto isso... as companhias telefônicas fazem gato e sapato do consumidor. As contas não chegam, as pessoas não conseguem cancelar suas contas, tudo é uma imensa bagunça bem programada para favorecer um lado -- o delas -- e prejudicar o outro -- o seu.
Noutro dia, um funcionário me contava que uma senhora de 83 anos estava quase chorando porque não recebia a conta do seu celular e tudo que ele podia informar a ela era: "Pegue a segunda via na internet". A senhorinha, coitada, nunca teclou um computador, não tem a menor ideia de como funciona a internet. Mas, se não paga a conta, paga juros!
Eu mesma já relatei aqui neste espaço o drama que foi cancelar uma conta de telefone. Foram meses e meses, senhas e senhas, horas e horas de espera, e a fatura continuava chegando no mês seguinte! O Procon não fez nada, a Anatel fingia que não entendia o que eu dizia, o funcionário da operadora não estava nem aí. O último grande lance da história: eu, aos prantos, quase desmaiando numa agência da empresa. Kafka? Kafka é bobagem.
Portanto, a Anatel deveria se preocupar menos com o sigilo do consumidor e mais com os abusos, grosserias, roubos e indecências das companhias. Aliás, ao que consta, a agência existe exatamente para isso: para fiscalizar o prestador de serviço e garantir os direitos de quem usa esses serviços.
Mas, enfim, isso é como a Constituição brasileira: às vezes vale, às vezes não vale. Depende do freguês.
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*Eliane Cantanhêde é colunista da Folha de S.Paulo