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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Preços agrícolas no G-20
23/01/2011 - O Estado de S.Paulo

O governo brasileiro deverá rejeitar qualquer proposta europeia de regulação dos mercados agrícolas. A alta dos preços dos alimentos garantiu ao Brasil um superávit comercial de US$ 20,2 bilhões no ano passado, apesar do desemprego no mundo rico e da valorização excessiva do real. Na Europa, no entanto, renasce o temor da inflação, embora a economia continue estagnada na maior parte do continente. As altas cotações dos produtos básicos - agrícolas e minerais - já se refletem no custo de vida. Há sinais de perigo no front dos preços, advertiu o Banco Central Europeu (BCE). O presidente da França, Nicolas Sarkozy, já anunciou a intenção de pôr o assunto em debate no Grupo dos 20 (G-20), formado pelas maiores economias desenvolvidas e em desenvolvimento. Uma das saídas, segundo o governo francês, seria a criação de estoques internacionais para regulação de preços. Os estoques seriam administrados pela FAO.

A França preside este ano o G-20 e isso aumenta sua influência na elaboração da pauta, já recheada de assuntos importantes, como a reformulação do sistema financeiro e a coordenação de políticas de reativação econômica. A questão mais complicada até agora, o desajuste cambial, se tornou mais desafiante com o confronto das políticas da China e dos EUA. O problema do câmbio é crucial para a maior parte do mundo e tem especial interesse para o Brasil, por causa da sobrevalorização do real. Mas o governo francês ainda ameaça pôr sobre a mesa um assunto perigoso para os países produtores de matérias-primas.

O interesse europeu no controle de preços das commodities é facilmente compreensível, pelo menos neste momento. O BCE apontou o problema das cotações, especialmente dos alimentos, e o risco representado pela inflação em alta, mas não aumentou os juros. Se o fizesse agora, poderia interromper a recuperação ainda muito fraca na maior parte da zona do euro. O aperto poderia ser razoável para a Alemanha, a economia mais dinâmica da região, mas seria desastroso para os demais países.


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Os preços dos alimentos, segundo as projeções, devem continuar em alta neste ano e, possivelmente, nos anos seguintes, se os juros continuarem muito baixos e a especulação financeira com as commodities for mantida. Além disso, a demanda chinesa deverá permanecer muito forte, mesmo com alguma redução do crescimento econômico.

Nessas condições, a criação de um mecanismo de regulação de preços poderia atender às necessidades europeias nos próximos anos. Além do mais, a formação de estoques poderia servir - isto é parte da justificação oficial - para atenuar os problemas dos países muito pobres e dependentes da importação de comida. Esse é o caso, principalmente, dos países menos desenvolvidos da África.

Na prática, o Brasil e outros produtores agrícolas pagariam a conta de dois problemas: a crise econômica europeia, criada pelos europeus, e a insegurança alimentar dos países mais pobres, causada em grande parte pela instabilidade política. A ONU já ampliou o socorro a esses países desde que houve um grande aumento de preços, logo antes da crise internacional. A longo prazo, não tem sentido manter essas economias na dependência da ajuda externa e de uma duvidosa política de estabilização de preços.

Políticas desse tipo tendem a prejudicar e a desestimular a produção e são injustas em relação aos países exportadores. Como observou uma autoridade brasileira, ninguém fala sobre regulação quando as cotações estão baixas. Depois, é preciso reconhecer um dado histórico: as velhas metrópoles são responsáveis por boa parte da instabilidade política e da pobreza dos países africanos. Além disso, as distorções causadas no mercado internacional pela política agrícola europeia dificultaram o desenvolvimento da agricultura na África.

O Brasil tentou ajudar esses países com transferência de tecnologia, mas falta fazer muito mais. Essa é uma tarefa para a comunidade internacional. Os programas do Banco Mundial deram pouco resultado. É preciso continuar tentando.

  

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