O estilo Dilma na Argentina 02/02/2011
- O Estado de S.Paulo
A viagem da presidente Dilma Rousseff à Argentina, seu primeiro compromisso no exterior, foi um ritual. Mais que uma deferência, foi a reafirmação de uma parceria relevante não só para os dois países, mas para toda a América do Sul. A articulação política das duas maiores economias da região pode contribuir de forma significativa para a integração, o desenvolvimento e a modernização institucional do subcontinente. A presidente brasileira mencionou em cerimônia na Casa Rosada a importância regional dessa parceria. Mas o fez de forma adequada, com linguagem contida, longe de qualquer demonstração de arrogância ou de bazófia. Palavras e gestos contidos, mesmo no encontro com as mães e avós da Praça de Maio, parecem ter sido não só um sinal de equilíbrio e respeito, mas também uma indicação - a julgar pelos temas discutidos e pelos acordos assinados - de prudência.
A visita foi sobretudo um ato simbólico, indicativo do valor atribuído pela diplomacia brasileira aos parceiros da região e, de forma especial, à Argentina. Mas, embora ritual, não foi um ato meramente repetitivo, uma reiteração de usos e costumes consagrados especialmente nos últimos oito anos. Não se discutiram questões estratégicas nem se examinaram pendências comerciais entre os dois países. Os acordos assinados são relevantes sob vários aspectos, mas nenhum deles envolve compromissos política ou economicamente complicados. Só um termo de ação comercial foi assinado - mas apenas de cooperação em vendas para terceiros países.
Impasses do Mercosul, questões bilaterais de comércio e articulação diplomática para as grandes negociações com parceiros de outras partes do mundo foram deixados fora da pauta e até da retórica. Não seriam adequados à ocasião? Talvez fossem, se os dois governos houvessem apenas decidido continuar o padrão de entendimento seguido durante o governo Lula. A omissão desses assuntos parece indicar nova atitude, pelo menos do lado brasileiro.
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A presidente Dilma Rousseff lembrou o falecido presidente Néstor Kirchner e referiu-se a ele como construtor da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Foi uma homenagem previsível. A presidente Cristina Kirchner foi além, ao atribuir a seu marido e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o relançamento do Mercosul e a melhora da relação bilateral. Nenhuma das duas façanhas foi realizada por esses presidentes.
O Mercosul não estava paralisado quando aqueles dois presidentes começaram a cuidar da política regional. Tampouco havia crise ou dificuldades excepcionais na relação Argentina-Brasil. Ao contrário: a cooperação havia aumentado nos anos anteriores. Mais correto seria atribuir aos presidentes Lula e Kirchner a interrupção dos avanços do Mercosul e a multiplicação dos problemas internos do bloco.
O protecionismo no interior do Mercosul aumentou consideravelmente nos últimos oito anos, sempre com a complacência do presidente brasileiro. Os prazos para eliminação do acordo automotivo e para liberalização do comércio de veículos e componentes foram dilatados.
Houve alguns acordos com países da região e de fora, mas o bloco foi incapaz de concluir negociações de livre comércio com qualquer parceiro de grande peso. Enquanto isso, outras economias da região realizaram acordos importantes. Além do mais, a parceria Lula-Kirchner apoiou e estimulou o populismo e os ensaios de autoritarismo na América Latina.
Se a presidente Dilma Rousseff estiver disposta, de fato, a fortalecer o Mercosul, terá de mudar o padrão de entendimento com a Argentina. Se quiser valorizar de forma equilibrada não só os interesses de vizinhos, mas também os do Brasil, terá de se empenhar - como indicou em entrevista antes da viagem a Buenos Aires - na defesa do respeito aos contratos, em vez de tolerar, como seu antecessor, as mais grosseiras violações. Seriedade, confiabilidade e compromisso com o Estado de Direito são condições para o pleno desenvolvimento latino-americano. A prudência da presidente Dilma Rousseff talvez indique uma guinada diplomática na direção desses valores, desprezados, com frequência, por seu antecessor. Por enquanto, esta é ainda uma hipótese otimista.