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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

O passivo judicial da União
02/02/2011 - O Estado de S.Paulo

A aplicação pela Receita Federal de regras tributárias dúbias, que lhe permitem cobrar impostos de maneira considerada abusiva pelos contribuintes - aos quais só resta recorrer à Justiça para tentar impedir o que para eles não passa de tributação ilegal -, e os efeitos de políticas econômicas equivocadas do passado, baseadas no controle de preços, entre outros fatores, contribuíram para a criação de um fantasma judicial que assombra o governo. Esse fantasma traz para o presente o custo de práticas discutíveis do passado e lança sombras sobre a política fiscal futura. Um grande passivo judicial perturba, hoje, a tranquilidade dos responsáveis pelas finanças federais. Seu valor chega perto de R$ 400 bilhões, como mostrou reportagem de Renato Andrade publicada domingo no Estado.

Tramitam na Justiça inumeráveis ações contra a União, de impacto financeiro variado. Em pelo menos uma delas, que pode custar até R$ 90 bilhões, em valores corrigidos, a União esteve perto de ser derrotada no Supremo Tribunal Federal (STF) há pouco mais de dois anos. Mas, por meio de um recurso jurídico, conseguiu evitar que o STF julgasse um caso específico, no qual parecia derrotada, e pediu que a Corte examinasse a constitucionalidade da prática que a empresa autora da ação questionava. Trata-se da fórmula empregada pela Receita para a cobrança da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre o faturamento das empresas. A Cofins está sendo cobrada sobre o faturamento acrescido do ICMS recolhido pela empresa.

Essa forma de cobrança, com a adição do ICMS à base de cálculo, é utilizada também na esfera estadual (em muitos casos, paga-se ICMS sobre ICMS). Da mesma forma, o ICMS é cobrado sobre o ISS, de natureza municipal, recolhido pela empresa. Por isso, uma decisão sobre o caso da Cofins repercutirá sobre as finanças estaduais, o que torna o problema mais complexo.


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Esta é uma das questões que o STF pode julgar em 2011. Outra é a cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre as receitas financeiras de bancos, seguradoras e outras instituições. As empresas argumentam que esse tributo deveria ser cobrado apenas sobre a receita das tarifas, e não sobre as receitas financeiras. Estima-se que, se os contribuintes forem vitoriosos, a conta pode chegar a R$ 40 bilhões, ou mais.

Há, ainda, ações de funcionários públicos ou de suas entidades representativas exigindo benefícios salariais, entre os quais a incorporação ao vencimento-padrão de algumas gratificações. Esses benefícios podem custar até R$ 48 bilhões.

A correção monetária de pagamentos administrativos é exigida por autores de um grande número de ações, que o governo estima em "milhares" e cujo custo pode chegar a R$ 10 bilhões.

O congelamento de preços durante o governo Sarney (1985-1990), que lançou diversos planos de estabilização baseados nesse mecanismo - todos fracassaram -, gerou pedidos de indenização de empresas e associações empresariais do setor de açúcar e álcool, cujo valor pode chegar a R$ 50 bilhões. As perdas com o congelamento das tarifas aéreas são a justificativa do pedido de indenização da Varig, de cerca de R$ 2,5 bilhões.

A complexidade das questões em julgamento e, sobretudo, o impacto financeiro das decisões judiciais têm sido utilizados pela União para tentar convencer o Judiciário dos riscos para as finanças públicas de uma sentença que lhe seja desfavorável.

Na verdade, em vários casos em que for derrotada, a União não terá necessariamente de desembolsar os valores de uma só vez. E, dependendo do tipo de ação, cada beneficiado pela decisão judicial terá de acionar a Justiça para receber o que lhe foi cobrado indevidamente, o que retardará o pagamento. Em outros, a União poderá compensar o que cobrou indevidamente no passado com a redução do recolhimento dos tributos presentes, o que não implicará desembolso imediato, embora resulte em queda de receita.

Ainda assim, o passivo judicial é uma ameaça real ao equilíbrio das finanças da União, que já está abalado pelos gastos excessivos nos últimos anos do governo Lula.

  

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