A queda de Mubarak 12/02/2011
- O Estado de S.Paulo
Na noite de quinta-feira, a multidão que, reunida no centro do Cairo, há 17 dias exigia a renúncia do presidente Hosni Mubarak reagiu enraivecida ao discurso do ditador. Em vez de se despedir do poder, como esperavam todos, especialmente depois que o comandante militar do Cairo foi à Praça Tahrir comunicar à multidão que era iminente o desfecho da crise, Mubarak anunciou que estava transferindo alguns poderes para o vice-presidente Omar Suleiman, mas continuaria governando o país até as eleições de setembro.
Na sexta-feira, as manifestações se espalharam. No Cairo, grupos cercaram o palácio presidencial e a sede da TV estatal. As ruas de Alexandria e de Suez foram tomadas pelos manifestantes, que também paralisaram todas as cidades importantes do país.
No final da tarde, Hosni Mubarak e sua família se mudaram para a residência oficial de verão em Sharm-el-Sheik e, logo depois, o vice-presidente Omar Suleiman anunciava que o presidente havia renunciado ao cargo.
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Mubarak já não contava, há dias, com o apoio das Forças Armadas - a instituição que sempre foi o sustentáculo d0s governantes egípcios e, desde a queda da monarquia, tem fornecido os presidentes do país. Isso ficou claro logo no segundo dia das manifestações, quando as Forças Armadas anunciaram que não reprimiriam a multidão concentrada na Praça Tahrir. Mas o Conselho Militar ainda não tinha condições para selar o destino da ditadura Mubarak.
O discurso de Mubarak, na quinta-feira, resolveu o problema. Seu objetivo era ganhar tempo, prometendo pequenas mudanças que não satisfariam o povo. Este, por sua vez, não se deixou enganar e, apesar da falta aparente de coordenação dos protestos, a insatisfação se alastrava. Além disso, associavam-se à multidão sindicatos prontos para paralisar a economia do país.
Só as Forças Armadas podiam romper o impasse - e foi o que fizeram. Na verdade, os egípcios estavam esperando, há alguns dias, que o Conselho Militar obrigasse Mubarak a deixar o poder. A ditadura dos últimos 30 anos destruiu toda forma de organização política - exceto o partido oficial e legendas satélites -, e no Egito, ao contrário do que ocorre em outros países muçulmanos, as organizações islâmicas radicais não medraram. Expelido o ditador, restavam as Forças Armadas para preencher o vácuo de poder.
Mubarak pretendia, transferindo atribuições para Omar Suleiman, manter o poder ao seu alcance. O Conselho Militar não aceitou essa solução. O Parlamento - produto de eleições escandalosamente fraudadas - e o gabinete ministerial serão dissolvidos, como parte da obra de demolição das estruturas ditatoriais que o povo egípcio não aceita mais. E o governo de transição será exercido pelo Conselho Militar, liderado pelo general Mohamed Tantawi, e pelo chefe da Suprema Corte Constitucional.
O Egito não se transformará numa democracia liberal da noite para o dia. Demandará tempo e muito esforço a construção de estruturas políticas livres. Aos militares que conduzirem o país durante a transição caberá propor as mudanças que encaminhem o país na direção mais do que claramente indicada pelas multidões que se reúnem na Praça Tahrir - e que precisam continuar mobilizadas.
O Egito tem sido o principal aliado árabe dos Estados Unidos. Recebe fartas subvenções que podem, a partir de agora, ajudar a reconstrução das estruturas políticas do país. Mas, para que isso aconteça, a liderança americana precisa conhecer melhor o que se passa no Cairo. Durante a crise, a posição do governo de Barak Obama foi lamentavelmente comprometedora. Ora apoiou os manifestantes, ora apoiou o ditador.
Na verdade, a despeito de todo o aparato de inteligência de que dispõem os Estados Unidos, a Casa Branca não foi informada, como observou o jornalista Jack Diehl, do Washington post em artigo reproduzido no Estado de ontem, de "que o Egito poderia explodir". O governo Obama já havia apoiado Mubarak, depois de revelada a fraude nas eleições parlamentares. Seu objetivo parecia ser, acima de tudo, preservar a estabilidade do Egito. O que fez foi contribuir para o endurecimento de um regime que já estava podre por dentro.