Via torta para o adesismo 26/02/2011
- O Estado de S.Paulo
A oposição fracassou consistentemente na sua função institucional de apresentar-se para a maioria do eleitorado brasileiro como alternativa ao lulismo. Em 2006, quando o mensalão deixara a descoberto o presidente em busca do segundo mandato, o candidato da coligação PSDB-DEM, Geraldo Alckmin, conseguiu o feito sem precedentes de sair do segundo turno com menos votos do que no primeiro. Em 2010, tendo como adversária uma apadrinhada de Lula que nunca antes tinha participado de uma eleição, a campanha errática de José Serra incluiu mostrá-lo ao lado do presidente no horário eleitoral, apelar para o fundamentalismo religioso e, em desespero de causa, sacar uma demagógica promessa de elevar o salário mínimo a R$ 600.
O vazio oposicionista e o êxito de Lula na armação de aliança de 17 partidos em torno do nome de Dilma Rousseff produziram mais do que a vitória da ex-ministra. As urnas a premiaram com a maior base política já vista no Congresso Nacional: 388 cadeiras em 513 na Câmara dos Deputados e 63 em 81 no Senado. Além disso, nestes seus quase dois meses de governo, a presidente nada fez que a oposição pudesse ou soubesse capitalizar em proveito próprio perante a sociedade. E agora, enquanto se perpetua a sua incapacidade de dizer qualquer coisa que o País deva ouvir, uma parcela do DEM, movida pelo que há de mais raso na política - a ambição pessoal nua e crua - busca uma via torta para o adesismo.
Aflito com o que será dele em 2014, o prefeito paulistano Gilberto Kassab vem há tempos tentando se safar dos efeitos da hegemonia do PSDB no Estado - a mencionada hipótese de os tucanos abrirem mão de indicar um dos seus para a futura disputa pelo Palácio dos Bandeirantes é um engodo. Rejeitada pela cúpula demista a sua ideia de fundir o partido com o PMDB, Kassab quis migrar para a sigla chefiada em São Paulo pelo vice-presidente Michel Temer, mas novamente ouviu um não. Não perderá nada, aliás: o PMDB está morto em São Paulo, com um deputado federal e quatro estaduais. Eis que, conversa daqui, conchava dali, encontrou um ombro amigo na figura do governador de Pernambuco e número um do PSB, Eduardo Campos. Com 34 deputados e 3 senadores, o partido pensa grande.
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Para a sigla ser mais do que linha auxiliar do governo, Campos quer abri-la a todos quantos se sintam desconfortáveis onde se encontram. Dispensam-se afinidades ideológicas. A agremiação, que de socialista só conserva o nome e o programa datado de 1947, não viu problema algum, por exemplo, em ter como candidato ao governo paulista o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. Mas os rigores das normas sobre infidelidade partidária não permitem que os descontentes simplesmente vistam a descolorida camiseta pessebista. O que se permite é o abandono da legenda para formar uma nova - e a fusão desta com outra agremiação qualquer.
Ficaria assim, pois: os Kassabs do País inteiro se mudariam para uma habitação denominada Partido da Democracia Brasileira (PDB) e esta se fundiria com o PSB. Campos calcula que a jogada acrescentaria 20 nomes à sua bancada federal, convertendo-a na terceira força na Câmara (depois do PT e do PMDB). Mas nem todos os vira-casacas em potencial usariam o PDB como escala técnica para o PSB. Na expectativa de que a reforma política em cozimento a fogo brando no Congresso abra uma janela de oportunidade para o troca-troca - a infidelidade seria autorizada durante um período a cada quatro anos -, não faltará quem prefira bandear-se para o velho e acolhedor PMDB ou para outro partido governista, onde os espaços eleitorais sejam maiores.
Sinal dos tempos, os planos de abandono do barco oposicionista começaram pelos passageiros mais exaltados. "A oposição está na UTI", diz a senadora demista do Tocantins, Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, citada pela Folha de S.Paulo. Se assim é, o DEM está à beira da extrema-unção. Os seus melhores nomes, como o do pernambucano Marco Maciel, estão praticamente aposentados, sem deixar sucessores à altura. Os muito vivos se preparam para mudar não de legenda, mas de campo. Se o PP, outro descendente da antiga Arena do regime militar, pode ser governo, por que não eles?