Quem conhece aposta em Dilma 02/04/2011
- Miguel Jorge*
Ela, afirmativa, direta, incisiva. Ele, evasivo, repetitivo - acima de tudo, e como se estivesse permanentemente em campanha eleitoral, um bom marqueteiro de si mesmo. Não é preciso ser um grande observador para apontar que essa foi, claramente, a principal diferença entre os discursos dos presidentes Dilma Rousseff e Barack Obama, há duas semanas, em Brasília.
Enquanto o norte-americano insistiu em abordar, de forma vaga, questões cruciais para o comércio bilateral entre os dois países, Dilma criticou abertamente as velhas práticas protecionistas dos Estados Unidos e defendeu relações comerciais mais justas e equilibradas. O dela, um discurso coerente com a posição do Brasil no contexto de uma nova realidade geopolítica global. O dele, uma prova de que Obama é um orador dos bons - descontraído, à vontade. Mas, e daí?
A presidente brasileira mencionou as barreiras ao etanol, aço, suco de laranja, algodão e carne bovina, enviando, nas entrelinhas, um recado objetivo: esta é uma via de mão dupla e envolve atores econômicos importantes no cenário mundial. Se um deles quer algo (e Obama quer vender para gerar empregos nos Estados Unidos), oferece algo em troca.
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Ainda sobre os discursos de Dilma e Obama: enquanto a presidente brasileira defendeu uma reforma fundamental na governança global, com ampliação do Conselho de Segurança da ONU, o norte-americano foi reticente. Em nenhum momento ele acenou positivamente para a aspiração brasileira de ter um assento permanente no Conselho de Segurança - em vez do ¨sim¨ com que a Índia foi brindada em novembro do ano passado, a pretensão do Brasil mereceu o ¨apreço¨ do líder norte-americano.
De qualquer forma, quem conhece a presidente Dilma, quem já trabalhou com ela, não se surpreendeu com a sua boa estreia nas altas rodas da diplomacia internacional. Pode-se argumentar que lhe falta carisma, mas não se pode negar que lhe sobram coerência e firmeza na defesa dos interesses nacionais. Desenvolvimentista, a presidente age com a certeza de que o Brasil tem enorme potencial para crescer de forma cada vez mais consistente, a taxas superiores às das economias desenvolvidas.
A postura discreta, a preocupação com as questões internas e administrativas, o estabelecimento de prioridades e o controle de resultados são as principais marcas deste início de governo Dilma - e marcaram, também, a sua gestão à frente da Casa Civil, no governo do presidente Lula.
À época - e aparentemente agora também -, Dilma preferia o gabinete à exposição pública. Detalhista e rigorosa, chegou a ser acusada de intolerante - se é que se pode classificar de intolerante uma profissional que não abre mão de conduzir os processos pelos quais é responsável, que determina metas, que cobra providências e resultados.
Sóbria e coerente com seu estilo pessoal, a presidente já mostrou, também, que entende de avanços e recuos. Na disputa pelos Ministérios, não hesitou em endurecer com o PMDB, mas, depois, autorizou o partido a negociar cargos no segundo escalão com os ministros - a estes, aliás, fez questão de lembrar, na primeira reunião conjunta da equipe, que ¨eficiência e ética são faces da mesma moeda¨.
Há poucos dias, em sua primeira grande entrevista a um jornal diário, Dilma encarou uma sabatina e tanto. Falou sobre inflação, economia mundial, tragédia no Japão, alterações no programa Bolsa-Família, especulações sobre mudanças na equipe ministerial. Garantiu que o combate à inflação não será feito com o sacrifício do crescimento e assegurou: o Brasil vai crescer, com certeza, entre 4,5% e 5% este ano.
Na mesma entrevista, a presidente anunciou sua disposição de enfrentar o problema dos aeroportos, um dos principais gargalos de infraestrutura no País. Prometeu ¨uma forte intervenção¨ - e cumpriu o prometido. Na sexta-feira 18 de março, o Diário Oficial da União publicou a criação da Secretaria Nacional de Aviação Civil, com status de Ministério, alterando a legislação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero).
Dilma admite articular a expansão dos aeroportos brasileiros com recursos públicos e por meio da adoção de um regime de concessões ao setor privado - medida defendida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com participação da então ministra da Casa Civil, ainda no governo Lula. Como agora, empresários interessados em investir no setor aeroportuário defendiam o regime de concessões, próprio de nações desenvolvidas.
Mais uma vez: nada que surpreenda quem conhece a presidente e já trabalhou a seu lado. Não por acaso, pesquisa Datafolha, divulgada no domingo 20 de março, garante 47% de aprovação à gestão Dilma, taxa de popularidade que se iguala ao recorde registrado pelo presidente Lula nessa mesma época, em seu segundo mandato.
Segundo o Datafolha, Dilma supera em popularidade todos os antecessores de Lula, com aprovação maior entre as mulheres (51%) do que entre os homens (43%). Para os brasileiros, saúde é o principal problema do País, mas a pesquisa mostra que a presidente tem outros desafios pela frente: segurança pública, combate à corrupção e transporte.
Para superá-los é fundamental a soma de competência técnica, responsabilidade política e uma ampla visão dos problemas nacionais. Isso Dilma tem de sobra e, a considerar a sua atuação no governo passado, os brasileiros estão em boas mãos.
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*JORNALISTA, FOI MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA (2007-2010)