O expediente dos tribunais 10/04/2011
- O Estado de S.Paulo
Para assegurar à magistratura as condições necessárias para atingir as metas de produtividade e melhorar a qualidade do atendimento ao público, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu padronizar o horário de funcionamento de todas as varas e tribunais do País, determinando que o expediente comece às 9 e se encerre às 18 horas e que não haja interrupção nos trabalhos. A medida foi tomada a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil, que há muito denuncia alguns tribunais que cumprem jornada de apenas 6 horas e encerram os trabalhos semanais na quinta-feira, assegurando um fim de semana de 3 dias para seus integrantes.
Com a decisão do CNJ, os servidores judiciais terão de cumprir jornada de trabalho de 8 horas, de segunda a sexta-feira. Atualmente, o horário de funcionamento das varas e dos tribunais varia de Estado para Estado. Enquanto na maioria dos órgãos do Executivo a jornada de trabalho é de 8 horas, no Judiciário - especialmente nas Justiças estaduais - ela é mais curta. Em 12 Estados, a jornada é de 7 horas corridas e em 11, de 6.
Além de ser uma das causas do congestionamento das Justiças estaduais, a jornada mais curta se converteu em fonte de abusos. Para manter os fóruns abertos, receber petições de advogados, atender a população e assessorar magistrados, muitos serventuários trabalham 8 horas, mas ganham 2 horas extras por dia. Há dois anos, o CNJ descobriu, em alguns tribunais, servidores que recebem - a título de hora extra - mais do que o valor do próprio salário. Pela decisão do CNJ, a 7.ª e a 8.ª horas passam a ser pagas pelo valor da hora normal.
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O CNJ também descobriu, em alguns tribunais estaduais, serventuários que só trabalham de manhã e outros que só trabalham à tarde - todos com a carga horária de 6 horas, para executar as mesmas funções. Por ironia, essas constatações ocorreram na mesma época em que os Tribunais de Justiça reivindicavam aumento nos repasses orçamentários, argumentando que destinavam mais de 90% de seus recursos para a folha de pagamento, pouco sobrando para investir na informatização das varas e atendimento ao público.
Como era de esperar, a padronização do horário de funcionamento das varas e dos tribunais provocou revolta nas Justiças estaduais. Nas notas de protesto que vem publicando em seu site, a Federação Nacional dos Servidores do Judiciário nos Estados afirma que "a Lei Áurea foi revogada há tempos", acusa o CNJ de "converter pessoas em marionetes" e de violar "conquistas da categoria" e promete "parar o Judiciário" como protesto.
Já os presidentes de Tribunais de Justiça alegam que, em muitos Estados, a jornada de 6 horas foi instituída por lei aprovada pelas Assembleias Legislativas, motivo pelo qual a decisão do CNJ violaria o princípio federativo e a autonomia do Judiciário. Eles também afirmam que a imposição da jornada de 8 horas vai exigir mais contratações, aumentando os gastos com pessoal. O protesto mais extravagante foi do presidente do Colégio Permanente dos Tribunais de Justiça, desembargador Marcus Faver. Segundo ele, no Norte e no Nordeste o calor impediria os serventuários de trabalhar entre as 12 e as 15 horas - apesar de a maioria dos tribunais ter ar-condicionado.
"Eles têm o costume de fazer a sesta (...). É um costume tradicional nessas regiões e que tem suas razões de ser (...). É um risco você desrespeitar as tradições locais", disse Faver, em entrevista concedida ao jornal O Globo. Ele foi apoiado pelo presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Para o desembargador Manoel Rebelo dos Santos, da mesma forma como "não há jogo de futebol ao meio-dia em alguns Estados, por causa do calor", não deveria haver expediente judicial nesse horário. "Temos de levar em conta a temperatura", afirmou.
Esses argumentos mostram que o CNJ terá de se esforçar muito para acabar com privilégios que, de tão entranhados que estão nos hábitos de certos setores, são considerados direitos líquidos e certos.