A volta do câmbio bandido 25/04/2011
- Nathan Blanche*
Para os contemporâneos das décadas de 1970 e 1980 (a geração dos sem-moeda), chegam a ser cômicas as declarações de que vivemos uma guerra cambial e de que o real é vítima de ataques especulativos. São preocupantes as decisões de conter os influxos cambiais por meio de todos os tipos de controles. Nesta toada, podemos perder a grande oportunidade que têm as economias dos países emergentes pós-crise de 2008 para aproveitar a abundância de dólares e realizar investimentos necessários. Além de complicar o combate à inflação e de até prejudicá-lo.
A economia brasileira tem seu crescimento potencial limitado pela baixa capacidade de geração de poupança. Portanto, é inequívoca a dependência da captação de poupança externa. Em 2010, por exemplo, a economia do País cresceu 7,5%, com a absorção doméstica se expandindo em 10,3%. Contribuíram para isso o aumento da demanda pública e a capitalização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a concessão de crédito subsidiado (obviamente, nada que ver com a eleição!).
Se não fosse o aumento do déficit em conta corrente, de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para 2,3%, entre 2009 e 2010, com as importações aumentando 42% no mesmo período, a inflação teria ido para o espaço. Em 2010, a inflação atingiu 5,9%.
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Para 2011 projetamos crescimento de 3,9% e ainda estamos na iminência de a inflação romper o teto superior da banda, seja porque a demanda continua aquecida, seja porque temos importantes choques de oferta.
Dados os comportamentos da inflação nos últimos meses e das expectativas de inflação, é provável que, mesmo com uma maior apreciação do câmbio, o Banco Central (BC) seja obrigado a elevar os juros ainda ao final deste ano, quando ficar claro que a inflação não convergirá para o centro da meta. Inclusive, o Banco Central cita em seu último Relatório de Inflação que "a estratégia de política monetária poderá eventualmente ser reavaliada".
A nova liderança do Banco Central pós Henrique Meirelles, em conjunto com o Ministério da Fazenda, vem sinalizando uma linha mais voltada à heterodoxia, intervencionista, utilizando todo tipo de instrumentos ditos macroprudenciais no lugar da tradicional política monetária. E cada vez mais se distanciando das expectativas de mercado.
Em relação à política cambial, fica evidenciada uma política de bandas cambiais ultrassujas (crawling peg) tentando estabelecer piso para a taxa de câmbio com fortes intervenções do Banco Central e da Fazenda, com esta impondo restrições à entrada de dólares.
As medidas sequenciais de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre as captações externas, inclusive de médio prazo, somadas às declarações do Ministério da Fazenda e ao pré-aviso de que estas deverão continuar, resultaram numa avalanche de antecipações de entrada de dólares.
Já temos um influxo, neste início do ano, de US$ 35,6 bilhões, ante US$ 2,4 bilhões no mesmo período do ano passado e cerca de US$ 24,5 bilhões em todo o ano de 2010. As compras desses excedentes pelo Banco Central, elevando ainda mais as reservas internacionais, têm um custo estimado de R$ 54 bilhões este ano.
A experiência passada comprova que tais "paliativos", como o "IOFetismo" da política cambial, não terão êxito, porque o mercado encontrará suas "brechas" para atender à demanda.
O câmbio flutuante é um dos principais fatores para o equilíbrio macroeconômico. Com ele não se brinca. Ressalta-se que temos necessidades de financiamento do balanço de pagamentos estimadas em US$ 94,9 bilhões para este ano. Se continuarem os impeditivos como o IOF, a quarentena e a argentinização da política cambial, haverá grave piora do prêmio de risco país e desvalorização do câmbio, com impactos nefastos sobre uma inflação já alta.
A elasticidade do câmbio em relação à inflação é de 0,05. A mudança de patamar de R$ 1,70 para R$ 2,00 por dólar (17,6%) geraria um aumento na inflação de 0,9 ponto porcentual. Assim, a inflação passaria para algo como 7%. Por outro lado, o afrouxo do nível de intervenção no câmbio permitiria que a taxa fosse para algo como R$ 1,55 por dólar, o que faria o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficar abaixo de 6%.
Quanto ao cenário internacional, no curto prazo, o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) deve continuar com sua política de recuperação do nível de atividade, por meio da expansão da liquidez, inclusive exportando inflação para o mundo via commodities. Tal estratégia nos parece correta, uma vez que o seu PIB depende substancialmente do setor de serviços, e este segue com inflação bastante baixa para padrões históricos.
No caso brasileiro ocorre o inverso: em 12 meses, o IPCA cheio está em 6,3% e o setor de serviços está com alta de 8,5%.
Num contexto mundial como este, em que a alta das commodities deve continuar, nada mais sóbrio do que deixar o câmbio apreciar, na direção de compensar, em parte, essa alta de preços vinda de fora.
As mudanças adotadas e a nova sinergia entre Banco Central e Fazenda são um grande equívoco. Deixar o câmbio flutuar, adotar uma política fiscal responsável sem "mandrakismos" e elevar os juros para esfriar a demanda continuam sendo a receita certa para evitar a volta da inflação.
Tratar o câmbio como bandido na atual conjuntura é não entender seus efeitos nocivos sobre a inflação e a nossa dependência de poupança externa.
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*SÓCIO-DIRETOR DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA INTEGRADA