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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

A necessária reforma do Código Florestal
10/05/2011 - Luciano de Souza Godoy - O Estado de S.Paulo

A agricultura brasileira vai bem. O Brasil é hoje um dos principais atores mundiais na produção de soja, milho, café, etanol, carne bovina, algodão e frutas. Até vinho e espumantes são produzidos e exportados. Os agricultores fazem seu papel, mesmo com condições adversas nos transportes para escoamento da produção, com esparsos e caros financiamentos e sem uma sustentável política de seguro agrícola para cobrir os prejuízos das intercorrências do clima.

Ao mesmo tempo, questionamentos ambientais trazem preocupação e intranquilidade em razão da insegurança na definição do marco regulatório ambiental da agricultura brasileira. Qual a regra sobre reserva legal (RL) e área de preservação ambiental a ser observada? A legislação será novamente alterada? Quem não observou a lei terá anistia? Quem seguiu a norma e se enquadrou será prestigiado? São dúvidas e mais dúvidas nessa questão.

A atual legislação, consolidada no Código Florestal de 1965, é ultrapassada e desvinculada da realidade econômica do setor produtivo primário, mesmo já tendo sido alterada várias vezes nos últimos anos. Determina a instalação e conversação de uma RL em cada propriedade rural, independentemente do seu tamanho, com área equivalente a 20% de sua extensão no Centro Sul do País, destacada no documento imobiliário e informada ao órgão ambiental do seu Estado. A essa RL se somam as áreas de proteção permanente (APPs), como matas à beira de rios e nascentes, em encostas e topos de morros, por exemplo.


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Os pequenos e médios proprietários rurais são castigados por um excessivo rigor burocrático dos órgãos ambientais e submetem-se a restrições desproporcionais à dimensão da sua gleba, muitas vezes sendo obrigados a recuperar e deixar inertes áreas destinadas no passado à produção agrícola.

Mesmo assim, não parece que o sistema seja eficiente para a preservação e conservação ambiental do bioma. Criam-se ¨pílulas¨ de preservação, isto é, áreas nativas desvinculadas umas das outras, sem integração, cada uma situada numa diferente propriedade rural. Não vejo como esse sistema de ¨pílulas¨ possa atender ao elemento ambiental da função social da propriedade, princípio e norma previstos na Constituição da República.

A preservação ambiental aliada a uma produção agropecuária sustentável é o desejo de todos os que querem o desenvolvimento do País. De outro lado, é inaceitável a visão preconceituosa e radical para com os produtores rurais, em especial os pequenos e médios, que não tinham o conceito do ilícito ao explorarem economicamente as áreas hoje consideradas como RL e APP.

Não preservar a RL ou as APPs pode caracterizar crime, justificar a abertura de inquérito policial e ação penal. No interior de São Paulo, onde vivi e trabalhei por vários anos, constantemente a polícia e o Ministério Público intimam agricultores a se manifestarem sobre a preservação da RL e das APPs, em total falta de sintonia com a realidade econômica do setor produtivo primário. Há uma indevida criminalização dos agricultores brasileiros, que durante anos exploraram suas terras trazendo emprego e progresso ao País, sem nunca terem sido informados sobre a ilicitude do fato.

O governo e o Parlamento brasileiros podem dar tranquilidade ao setor agrário, ou melhor, podem definir o marco regulatório ambiental da agricultura com bom senso, harmonizando os interesses do setor produtivo primário com a desejada preservação ambiental. Essa definição trará um ambiente econômico estável para propiciar investimentos, elevação da produtividade, produção de riqueza e desenvolvimento para todos e para o País. Para que isso ocorra sugiro duas providências.

Primeiro, devem ser aprovadas as alterações do Código Florestal conforme o relatório do deputado Aldo Rebelo, já aprovado em agosto de 2010 na Comissão Especial. Entre as mudanças propostas, vejo como fundamental para os pequenos agricultores a aprovação da dispensa da constituição de RL em áreas consideradas pequenas propriedades rurais, com até 4 módulos fiscais, o que significa a isenção de RL para propriedade com até aproximadamente 80 hectares no Estado de São Paulo. Também é importante a alteração do código para considerar incluídas na área de RL as APPs, como as matas ciliares e de encostas. Em alguns casos, somando ambas, chega-se a 50% e até 70% da área do imóvel como destinada à preservação total. As alterações mencionadas terminariam com a exigência de criação das mencionadas ¨pílulas¨ de preservação ambiental.

Não faz sentido desviar da geração de empregos e riqueza as terras férteis do interior de São Paulo, hoje produtivas e consolidadas como áreas de intensa produção agrícola. Levá-las à inércia em nome da preservação ambiental, criando-se ¨pílulas de preservação¨, é um contrassenso, um atentado à inteligência.

Em segundo lugar, as ações governamentais de incentivo à agricultura e de preservação ambiental do meio rural deveriam ser centralizadas num novo e único órgão, uma Agência Nacional de Política Agrária, autarquia federal a ser criada a partir da estrutura dos Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrária e de órgãos como o Incra e o Ibama. Uma estrutura de fiscalização, normatização e regulação nos moldes das outras agências traria eficiência para estabelecer um novo marco regulatório ambiental do setor rural brasileiro. Há bons técnicos nos órgãos federais e estaduais de promoção da política agrária e da política ambiental. Mas carecem de estrutura adequada e de uma legislação orgânica e sensata com vista à promoção da preservação ambiental nas propriedades rurais, valor importante e necessário, aliado ao aprimoramento da produção agropecuária, que abastece as cidades de alimentos e matéria-prima de origem vegetal ou animal.

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*PROFESSOR DE DIREITO DE PROPRIEDADE E DIREITO AGRÁRIO DA ESCOLA DE DIREITO DA FGV/SP, VISITING SCHOLAR PELA COLUMBIA LAW SCHOOL

  

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