O futuro do dólar 23/05/2011
- O Estado de S.Paulo
A discutível futura perda de hegemonia do dólar em face do avanço de outras moedas, particularmente o euro e o yuan, ganhou ares de tese oficializada no recente relatório Horizontes para o Desenvolvimento Global, do Banco Mundial (Bird). Prevê o Bird que, no período 2011 a 2025, as economias dos países emergentes tenham um crescimento médio de 4,7% ao ano, enquanto as dos países desenvolvidos evoluiriam a uma taxa média de 2,3%. Esse descompasso entre os níveis de crescimento deve fazer com que daqui a 15 anos seis grandes economias de países emergentes - China, Brasil, Índia, Indonésia, Coreia do Sul e Rússia - passem a responder por mais da metade do crescimento global. Será realmente um mundo multipolar, como afirmou Justin Yifu Lin, economista-chefe do Banco Mundial.
Projeções são sempre arriscadas e o relatório do Bird não deixa de notar que esse grupo de países tem problemas sérios, que requerem reformas profundas. China, Rússia, Índia e Indonésia enfrentam obstáculos institucionais de governança, enquanto Brasil, Índia e Indonésia têm deficiências de capital humano e não equacionaram seus problemas educacionais.
Até aqui, alguns desses países conseguiram crescer rapidamente alavancando suas exportações, como a China e a Coreia do Sul. Outros, como o Brasil, expandiram a demanda interna. Seja como for, será a demanda dos emergentes que deverá sustentar o nível de crescimento nos próximos anos, puxando a expansão global.
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Segundo o relatório, não há motivo para suspeitar que a globalização no século 21 poderia atuar em desfavor dos países emergentes, abrindo mais mercados para as grandes multinacionais com sede nos países desenvolvidos. Isso pode ter ocorrido em certa medida, mas, na realidade, houve uma forte reação igual e contrária. "As multinacionais dos países emergentes estão se tornando uma força na reformulação da atividade econômica global", diz Lin. Ele observa também que vem se expandindo rapidamente o intercâmbio e os fluxos de investimentos entre os países emergentes, o que exigirá, em seu entender, uma adaptação das instituições financeiras internacionais à multipolaridade econômica que se desenha.
A China tem exercido um papel central nesse processo, tendo suas empresas industriais e bancos aderido rapidamente à globalização. Com isso, foram incrementadas as relações entre os emergentes. A expectativa é de que os investimentos entre esses países cresçam e, à medida que isso ocorrer, serão mais frequentes os negócios de fusão e aquisição de empresas.
Quanto às moedas de livre curso internacional, o euro é visto como o maior rival do dólar, mas a moeda chinesa também terá seu lugar, como prevê o Banco Mundial. Com elevadíssimas reservas em moedas estrangeiras, que lhe proporcionam baixo rendimento, e continuando a avançar cada vez mais no comércio mundial, Pequim quer "internacionalizar" o yuan, estimulando o seu uso em transações comerciais.
As mudanças em curso na economia global tendem a ser positivas para os países em desenvolvimento, no entender de Mansoor Dailami, um dos autores do relatório. Ele advertiu, porém, que é preciso que as instituições internacionais estejam preparadas para a transição para a multipolaridade, sem gerar instabilidade.
Há também a possibilidade de surgimento de conflitos de interesse relacionados a investimentos. Dailami observa que, apesar dos esforços feitos há anos, não há uma regulamentação multilateral para os investimentos internacionais, ao contrário do que se verifica com o intercâmbio comercial. Com a crescente influência dos emergentes, ele considera que pode ser mais fácil avançar nessa direção.
É natural que os países receptores de investimentos procurem manter sob controle de empresas nacionais setores que consideram estratégicos, mas a dificuldade em fazê-lo está justamente em não perturbar, com isso, o livre fluxo de capitais. Normas internacionalmente aceitas teriam que ter a função de manter um ambiente saudável de negócios e ajudar a resolver eventuais disputas.