Promiscuidade tripartite 25/05/2011
- O Estado de S.Paulo
O governo deve tomar cuidado quando vê empresários e sindicalistas unir-se para reivindicar redução de juros e de impostos e também para propor a formação de um fórum tripartite - setor público, empregadores e trabalhadores - para discutir política econômica. Esse tipo de experiência já foi tentado, com câmaras setoriais, e a sociedade jamais ganhou com isso. Quando surgiu alguma vantagem, foi para grupos privados - sindicatos e empresas - participantes do acordo. É útil lembrar esses episódios, agora, quando mais um empreendimento desse tipo é proposto pelo presidente da Fiesp, Paulo Skaf, pelo presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva, e por sindicalistas ligados à CUT.
A nova aliança corporativa do setor industrial foi anunciada oficialmente na segunda-feira, em evento na Fiesp. Skaf e os sindicalistas apresentaram uma lista de reivindicações comuns: corte dos juros, ampliação do prazo de recolhimento de tributos, isenção do Imposto de Renda sobre participação nos lucros, desoneração da folha de pagamentos e barreiras à entrada de capitais, para conter a valorização do real - entre outros pontos.
As boas ideias apresentadas no encontro já estavam em discussão e nenhuma delas é novidade para o governo. A desoneração da folha de pessoal foi proposta pelo Executivo e a ideia foi criticada por líderes sindicais. Se mudaram de ideia, agora, deram um passo adiante e isso é uma boa notícia. Só falta saber por que mudaram.
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Os ministros da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento conhecem a lista de medidas necessárias para aliviar o peso dos tributos sobre o investimento, a produção e a exportação. A relação entre a carga tributária e a competitividade foi discutida muitas vezes. O governo decidiu tentar uma reforma fatiada. Essa estratégia pode evitar os impasses de uma reforma ampla, mas também tem custos apreciáveis. O problema do Executivo, nesta altura, é traçar o roteiro político de cada item da reforma. Não precisa de um fórum tripartite para definir a lista de mudanças necessárias. Muito menos deve ter interesse em negociar com empresários e sindicalistas o apoio a cada proposta. O mais difícil, para o governo central, será convencer os governadores a aceitar inovações no ICMS. Para que incluir mais gente, mais entidades - e mais apetites - na mesa de negociações?
Quanto aos juros, empresários e sindicalistas têm o direito de reivindicar taxas menores. Qualquer cidadão tem esse direito. Mas política monetária é assunto das autoridades. Nas economias mais organizadas, é assunto exclusivo do banco central. Os condutores da política monetária podem ter de se explicar aos congressistas, periodicamente, mas, enquanto exercem o mandato, têm autonomia para manejar seus instrumentos. A presidente Dilma Rousseff cometerá um erro de proporções incomuns, se concordar com a formação de um fórum tripartite para a discussão de juros e de outros assuntos de responsabilidade estrita do poder público.
A promiscuidade entre interesses públicos e privados nunca deu certo. O governo pode, em nome de uma estratégia de desenvolvimento, conceder benefícios temporários a setores e a regiões. Mas deve estar preparado para eliminá-los, quando deixarem de ser funcionais. Negociações e barganhas com empresários e sindicalistas apenas amarram as autoridades, dificultam a gestão de programas e políticas e acabam, quase inevitavelmente, propiciando benefícios injustificáveis a grupos privados. Benefícios como esses foram distribuídos em proporções assustadoras nos últimos anos, por meio de bancos estatais. Não se deve continuar nesse caminho, mas abandoná-lo com urgência.
Para aliviar a carga de impostos, investir mais e favorecer os ganhos de competitividade, o governo terá de rever seus gastos, eliminar desperdícios e cortar subsídios injustificáveis. Para fortalecer a economia, precisará ser austero e desagradar a grupos. Discutir austeridade em câmaras setoriais é como propor moderação aos convivas de um banquete.