As virtudes da contenção verbal no comportamento humano são louvadas nas mais diferentes culturas. Exemplo disso é o ditado "o silêncio é de ouro", que os brasileiros compartilham com muitos outros povos. Mas, em relação ao silêncio de que se fala sem parar no País de duas semanas para cá, a evocação do nobre metal é despropositada. Se é para associar ao reino mineral a mudez do ministro Antonio Palocci sobre o seu estupendo enriquecimento entre a sua saída do Ministério da Fazenda, no governo Lula, em 2006, e até pouco antes de assumir a chefia da Casa Civil da sucessora, Dilma Rousseff, em janeiro último, a comparação certa é com a pirita, o ouro dos tolos, por sua enganadora cintilação.
De tolo, o ministro não tem nada. Por isso mesmo, a sua recusa a explicar ao País, convincentemente, como fez fortuna de forma limpa e ética levou a uma situação-limite as suas condições de continuar no Planalto. Tanto por desfigurar a positiva imagem pública que a sua chefe vinha construindo nos meses que antecederam a crise quanto por expô-la ao desmedido apetite da alcateia com que tem de se haver no Congresso. Além disso, cada vez mais inquieto com a perspectiva de novos danos ao governo, o partido já não se limita a manter profilática distância do escândalo - como, aliás, fez a presidente Dilma logo na sua irrupção.
Nos bastidores, parcela talvez substancial dos companheiros tampouco fica apenas no chamamento do ministro às falas. A demanda tem sido a sua substituição - e nomes já correm para o seu cargo. A manifestação mais comentada foi a da senadora Gleisi Hoffmann. No almoço da bancada com o ex-presidente Lula, semana passada, quando ele se abalou a Brasília para aplacar os atritos entre Dilma e a caciquia do PMDB, ela teria pedido a cabeça do ministro. Esposa do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que está na lista dos eventuais sucessores de Palocci, teria argumentado que uma coisa era amparar os petistas envolvidos com o mensalão - que, afinal, operavam em benefício do partido -, outra é defender quem se dedicou a engordar o próprio patrimônio. Gleisi desmente.
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Quando também se reuniu com os companheiros senadores, Palocci disse que os seus serviços de consultoria consistiam em palestras, análises de alternativas de investimentos financeiros e assessoria para empresas interessadas em fusões. Decerto não esperava que um de seus ouvintes, Eduardo Suplicy, viesse a revelar candidamente que o ministro contara ter recebido R$ 1 milhão por seus conselhos a uma empresa em processo de fusão. O ministro, de todo modo, insistiu em que não praticou nenhuma ilegalidade - e acusou a oposição de fabricar pretextos para desestabilizar o governo Dilma. Para não se prestar a esse jogo, a base aliada faz bem em impedir as tentativas de convocá-lo a depor no Congresso.
Mas, anteontem, prova da desarticulação política da coalizão dilmista, a base "engoliu vergonhoso frango" - para usar a retórica de Lula - ao deixar passar uma daquelas iniciativas na Comissão de Agricultura da Câmara. Alheio à agenda de sessões na Casa e esquecido de que a oposição não desistira de aproveitar todas as brechas disponíveis para requerer a oitiva de Palocci, o Planalto marcou um encontro do Conselho Político com a presidente na mesma quarta-feira em que as comissões dos deputados se reúnem rotineiramente. Na de Agricultura, a convocação de Palocci foi aprovada a toque de caixa, em circunstâncias controversas. O presidente da Câmara, o petista Marco Maia, sustou a decisão. Não o terá feito por Palocci, mas por dever de ofício - a oposição não pode prevalecer sobre o governo, ponto.
O ministro já tinha feito saber que se pronunciaria assim que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, desse o seu parecer, previsto para ontem, sobre as representações oposicionistas contra ele e as suas réplicas por escrito. A situação se complicou quando o procurador não se contentou com as explicações dadas até agora e pediu ao acusado esclarecimentos adicionais. Mas não é por aí que se decidirá a atual crise. Em todos os lados, as reservas de boa vontade com Palocci parecem esgotadas. Cabe à presidente Dilma lavrar a sentença final.