Ameaça às lan houses 06/06/2011
- O Estado de S.Paulo
Ao definir as lan houses como Centros de Inclusão Digital (CIDs) para a universalização do acesso à internet e lhes assegurar prioridade na utilização das linhas de financiamento de bancos oficiais para a compra de computadores, o projeto de lei sobre o tema aprovado pela Câmara dos Deputados reconhece a importância do papel desses centros na disseminação das oportunidades de utilização da rede mundial de computadores e procura criar facilidades para a expansão de seus serviços. Contraditoriamente, porém, emendas aprovadas pelo plenário criam dificuldades operacionais ou financeiras para as lan houses e, em certos casos, podem até inviabilizá-las.
Na essência, o texto aprovado pela Câmara - atualmente em tramitação no Senado - resultou de uma grande modificação, para melhor, de propostas anteriores. A maioria destas, apresentadas quando eram frequentes as denúncias de que as lan houses não passavam de locais de jogos eletrônicos abertos a todas as pessoas, especialmente menores, propunha restrições ao seu funcionamento. Depois de ouvir dirigentes de associações e entidades ligadas à tecnologia da informação, empresários, técnicos do governo, representantes do Ministério Público e autoridades policiais, a comissão especial da Câmara que examinou os projetos sobre o tema decidiu manter algumas das restrições contidas nas propostas originais, mas as ampliou, ao criar os CIDs, definidos como entidades prestadoras de serviços.
Mantendo o espírito de algumas propostas anteriores, o projeto estabelece que as lan houses devem orientar e alertar menores de 18 anos a respeito do acesso a jogos eletrônicos e a páginas com conteúdo não recomendado para sua faixa etária, de acordo com a classificação indicativa do Ministério da Justiça.
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No entanto, ao contrário de muitas propostas anteriores que incorporou, o texto aprovado pela Câmara - de autoria do relator do projeto original, deputado Otavio Leite - não restringiu o acesso às lan houses para menores de 16 anos.
Leite observou que há no País cerca de 108 mil lan houses, utilizadas por 45% de seus usuários para ter acesso à internet. Nos usuários das classes C e D, a parcela dos usuários que utilizam esses centros para entrar na internet sobe para 74%. "Na faixa etária de menores de 16 anos, 60% dos que acessam a internet o fazem por meio de uma lan house, por isso não podemos estabelecer restrições para esse grupo", argumentou.
Mas o mesmo texto impõe a exigência de cadastramento do usuário, por meio de registro de nome e de documento de identidade. A medida impede que boa parte dos usuários potenciais frequente as lan houses. "Na população com idade entre 10 e 15 anos, apenas 2% possuem RG", observou o presidente da Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital (Abcid), Mario Brandão, em artigo publicado no Estado na quarta-feira. Cerca de 1,6 milhão de menores de idade não poderiam frequentar as lan houses. Brandão estima que, de todo o universo de usuários, 8 milhões seriam excluídos.
Além de excludente, o que é contraditório num projeto cujo objetivo é a inclusão, a medida impõe a um meio de comunicação - pois o acesso à internet é comparável ao uso do telefone ou ao envio de uma carta - uma restrição que não se aplica a outros. "Ninguém considera razoável que se responsabilizem os Correios pela incapacidade de identificar o real remetente de uma correspondência ou a companhia telefônica ao se receber um trote ou coisa pior", comparou Brandão.
A garantia de acessibilidade a pessoas com deficiência, outra exigência do projeto, embora atenda a demandas e necessidades legítimas da sociedade, exigirá investimentos que podem tornar inviável o funcionamento de muitas lan houses, em geral microempresas, em locais onde seus serviços são mais relevantes, como favelas, bolsões de pobreza e zonas rurais, como observou o presidente da Abcid. Como o projeto determina que a acessibilidade será estabelecida por regulamento próprio, espera-se que haja equilíbrio entre a garantia de um direito e a sobrevivência financeira das lan houses.