O STF e a guerra fiscal 07/06/2011
- O Estado de S.Paulo
Numa rara investida contra a guerra fiscal, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou 23 normas criadas pelos Estados para favorecer empresas e atrair investimentos à custa de outras unidades da Federação. Foram julgadas num único dia 14 ações de inconstitucionalidade. O presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, aproveitou o anúncio das decisões para dar um recado: não serão toleradas, segundo ele, medidas inconstitucionais tomadas por um governo para obter vantagem financeira em detrimento de outro Estado. Incentivos com base no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) só podem ser concedidos, lembraram os juízes, por meio de convênios firmados no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), formado por todos os secretários de Fazenda.
No mesmo dia, representantes da indústria reuniram-se em Brasília com integrantes da recém-formada frente parlamentar do setor têxtil, para discutir ações contra a concorrência estrangeira favorecida por incentivos fiscais concedidos por 10 Estados. "No ano passado, dos US$ 4,5 bilhões de importações de produtos têxteis, US$ 2 bilhões entraram pelos portos dos Estados com incentivos", disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Aguinaldo Diniz Filho. Mas tecidos e roupas são apenas alguns dos bens importados nessas condições e revendidos em outros Estados. Os mesmos benefícios têm favorecido, há vários anos, o ingresso de outras mercadorias, com graves prejuízos para a indústria instalada no Brasil e, naturalmente, para os trabalhadores. Essa política favorece a criação de empregos no exterior e é uma forma especialmente danosa de guerra fiscal. Na guerra tradicional - que continua - governos oferecem benefícios tributários para atrair investimentos, promovendo uma espécie de leilão entre Estados. A disputa se torna mais custosa com o aumento do número de participantes.
A decisão sobre as 14 ações de inconstitucionalidade pode ser uma boa notícia, mas a ação do STF nesse episódio pouco altera o panorama. Para serem legais, incentivos dependem de convênios no Confaz desde os anos 70, mas essa regra foi muitas vezes violada nestes 40 anos. A única mudança importante no cenário da guerra fiscal foi a adoção, há alguns anos, de uma forma particularmente perversa de violação - o incentivo tributário a importações, denunciado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), criticado por sindicatos setoriais e já incluído no rol de preocupações oficiais do governo federal.
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Parlamentares e técnicos do Ministério da Fazenda imaginaram uma solução para esse novo tipo de agressão fiscal: a redução do ICMS cobrado nas operações interestaduais. Quanto mais baixo o imposto cobrado no Estado de origem (porto de ingresso da mercadoria importada com incentivo), maior a alíquota cobrável no destino e menor, portanto, a vantagem propiciada pela importação. Essa mudança é parte da reforma tributária em fatias proposta pelo Executivo.
A guerra fiscal só chegou a esse ponto - uma aberração, pelos padrões internacionais - porque as tentativas de repressão aos abusos foram quase sempre ineficazes. Os governos há muito tempo deixaram de respeitar o Confaz. Os protestos contra os benefícios ilegais pouquíssimo resultado produziram. Ações na Justiça tramitaram muito lentamente. O pacote de ações agora julgadas pelo STF - contra benefícios criados no Rio de Janeiro, no Paraná, no Pará, em Mato Grosso do Sul, em São Paulo, no Espírito Santo e no Distrito Federal - inclui processos iniciados há muitos anos. Um desses foi ajuizado em 2003 pelo governador Geraldo Alckmin. De volta ao posto, oito anos depois, ele pode celebrar agora a conclusão da disputa.
Em várias ocasiões, governos adotaram por sua conta medidas para neutralizar os benefícios ilegais concedidos em outros Estados. Esse é o pior dos mundos, porque a solução do problema passa a depender do poder de retaliação de cada Estado. Mas essa consequência é dificilmente evitável, quando as normas são repetidamente violadas e a aplicação da lei é lenta e ineficaz. É este o caso brasileiro.