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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

O papel moral do jornalismo
23/07/2011 - Aldo Fornazieri*

A política brasileira passa por um daqueles momentos em que torna o seu ar pouco respirável. As denúncias de corrupção avolumam-se em todas as esferas da Federação e em todos os Poderes. Políticos e altos funcionários, ou seus parentes, enriquecem da noite para o dia. Licitações milionárias são fraudadas e recursos, desviados. Uns admitem, publicamente, que usam a passagem por cargos governamentais para traficar informações privilegiadas. Outros, sem nenhum rubor, afirmam que fazem caixa 2 e que "todo político faz". O clientelismo (troca de apoio por cargos), uma forma clara de corrupção política, adquiriu status de plena normalidade. Em vários setores do Estado - do município à União - existem quadrilhas incrustadas, desviando recursos, exigindo propinas. Agentes da lei e da fiscalização achacam por toda parte.

Em contrapartida, o Ministério Público, um baluarte da conquista redemocratizadora, parece acanhado e contido. A Polícia Federal, hiperativa nos últimos anos contra a corrupção, o narcotráfico e o crime organizado, foi reduzida quase à inatividade na atual gestão do Ministério da Justiça. Houve um claro desinvestimento nos avanços que a política nacional de segurança pública havia alcançado. Alguns ministros de tribunais superiores parecem ser agentes do Executivo e do Legislativo no Judiciário. A separação e o mútuo controle dos Poderes da República praticamente não existem. Os órgãos de fiscalização e controle do Estado em relação à sociedade, aos agentes econômicos e aos agentes públicos ou não têm estrutura suficiente ou são inertes, quando não coniventes com a ilegalidade. Justiça e permissividade são quase termos sinônimos no Brasil. Por mais assustador que seja o assalto ao bem público, quase ninguém é punido.

Esse estado de coisas não é novo e decorre de várias deficiências da nossa formação histórica. De um lado, tivemos raros espasmos de cidadania e formação social ascendentes. O Estado, quase sempre dominado por interesses particularistas, foi o fautor da sociedade. Patrimonialismo, ineficácia da lei e impunidade constituem um triângulo amoroso desde longa data. Na política, os partidos nunca assumiram o paradigma de que as virtudes cívicas republicanas - entendidas como preeminência do bem e do interesse público, liberdade, igualdade, participação política e combate à corrupção - deveriam constituir-se na essência da ação. Nesse particular, temos uma grave falha no jogo governo versus oposição, inerente ao sistema republicano.


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Em primeiro lugar, porque os partidos que ascendem ao poder, por não possuírem a ideologia das virtudes cívicas republicanas, terminam por governar segundo a lógica dos interesses e dos grupos privados. Em segundo lugar, a oposição, por também não agir a partir desse mesmo paradigma, não cumpre a sua função precípua. Qual seja: a oposição, por ser oposição, deveria, por dever de ofício, fiscalizar, denunciar e cobrar o governo naquilo que ele tem de insuficiente, mal feito e corrupto. Toda oposição que cumpre a sua função se torna virtuosa, porta-voz da opinião pública que quer moralidade política na conduta dos governantes. Para que essa função possa ser cumprida a oposição precisa ter legitimidade, que decorre da coerência de sua ação com paradigma da virtude cívica.

O PT, na oposição, pelo seu combate à corrupção, chegou a exercer com certa eficácia a função da virtude cívica. Mas, no governo, ao assumir o clientelismo político como condição de governabilidade e ao permitir que ocorressem vários casos de corrupção, mostrou que o seu posicionamento moral oposicionista era muito mais retórico e instrumental (disputa de poder) do que uma ideologia efetivamente republicana.

O PSDB saiu do governo tisnado por várias denúncias. Assim, na oposição, tem escassa legitimidade e pouca força para exercer a função de uma oposição virtuosa. Os demais partidos de centro são caracterizadamente partidos de negócios. O fato é que os partidos não agem para se elevarem à condição universalizante visando a estabelecer a sua identidade com o interesse público e, portanto, com o Estado. A prática do clientelismo político e da corrupção perfaz o caminho inverso: degrada o Estado, identificando-o com os interesses particulares.

Nesse grave contexto de pardidez e de indiferenciação política, o que sobra é a imprensa como cumpridora da função da virtude cívica. O problema aqui não se resume ao cumprimento dos códigos de ética do jornalismo. Todos sabem que por detrás do jornalismo existem empresas privadas com seus interesses particulares. Para que a eficácia empresarial do lucro se realize o interesse da empresa precisa ser mediado pelo interesse do público no contexto da informação. Mas, no caso do jornalismo político, o interesse do público se confunde com o interesse público. Dada a existência das particularidades partidárias e da diversidade social, a imparcialidade da informação é condição de credibilidade do jornalismo político e de eficácia da empresa de mídia em seus objetivos. Quanto mais livre e pluralista for a imprensa, mais tendente será à imparcialidade, à independência, à objetividade e à responsabilidade, constrangida pelo princípio da concorrência. Uma empresa que fixar sua linha editorial no denuncismo e na parcialidade pagará seu preço, pois o consumidor da informação perceberá que ela distorce o conteúdo da realidade informada.

Para além dessas questões teóricas, a evidência empírica das últimas décadas mostra que, de modo geral, a imprensa vem cumprindo bem a função de zelar pela moralidade pública. Quase todas as denúncias publicadas resistiram às contraprovas e comprovaram a sua pertinência. Os governantes, a oposição e a Justiça, se fazem alguma coisa, é a reboque da imprensa.

...

*DIRETOR ACADÊMICO DA FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO (FESPSP)

  

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