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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

A Justiça e a nova tecnologia
17/09/2011 - Almir Pazzianotto Pinto*

Juízes, advogados, Ministério Público e jurisdicionados encontram-se hoje perante a maior revolução na história do processo judicial desde o advento da máquina de escrever, cuja utilização se tornou cada vez mais comum por volta dos anos 1940. Trata-se da substituição do papel datilografado pelo processo eletrônico. O bom datilógrafo eliminou, gradativamente, o texto manuscrito, sendo frequente encontrar alguém que escrevia cem palavras por minuto e acompanhava, sem errar, o magistrado na redução a termo de extensos depoimentos.

Com a informatização, em vez de folhas, datilografadas ou digitalizadas, encartadas em autos, teremos petições, procurações, documentos, defesas, despachos, depoimentos, perícias, sentenças, recursos, razões e contrarrazões e acórdãos lançados em memória digital, autenticados por assinatura virtual, palavra que, segundo os dicionários, expressa algo que "não existe como realidade, mas sim como potência ou faculdade".

Curiosamente, a revolucionária tecnologia ingressou no processo pela porta de saída, ou seja, no momento da execução, quando se passou a fazer uso generalizado da penhora eletrônica, ou online. O sistema viu-se inicialmente adotado em reclamações individuais na Justiça do Trabalho, graças ao convênio de cooperação técnico-institucional por mim assinado em 5 de março de 2002, como presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao lado do dr. Armínio Fraga, presidente do Banco Central. Os resultados revelaram-se imediatos e fulminantes, pois tornaram viáveis execuções de milhares de sentenças com trânsito em julgado encalhadas nos cartórios pela dificuldade de localização do executado ou de identificação de bens passíveis de penhora.


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A informatização total exige, entretanto, pessoal qualificado para operar computadores. Sabemos, todavia, que existem magistrados incapazes de abandonar a máquina datilográfica e alguns outros que insistem em manuscrever despachos e sentenças, repassados a servidores incumbidos de digitá-los. Por outro lado, se aos grandes tribunais não escasseiam recursos financeiros que lhes permitem a compra de equipamentos de última geração, nas comarcas isoladas no sertão remoto juízes trabalham mal assistidos e quase esquecidos.

Nessa linha de pensamento, não podemos ignorar a situação dos advogados. São muitos com três ou quatro décadas de bons serviços cuja vida profissional principiou com as máquinas de escrever mecânicas, redigindo petições cujas cópias eram tiradas com papel carbono. Imagino como lhes será difícil prosseguir na profissão, mesmo porque nem sempre dispõem de meios para a transição da velha para a moderna tecnologia. E aqueles que prestam assistência judiciária, ganhando pouco mais que o salário mínimo? O que será deles?

O que dizer, então, dos cartórios? Conseguirão aprimorar-se e aparelhar-se com a velocidade desejada pelo Conselho Nacional de Justiça?

A demanda reproduzida em folhas de papel tem aspectos positivos e negativos. O positivo reside na confiabilidade, por ser quase impossível rasurar o que se acha escrito com tinta indelével, numerado, rubricado, carimbado e autografado. O preço da segurança consiste, todavia, na burocrática tendência à morosidade, essa praga nossa velha conhecida. As páginas virtuais, em contrapartida, trarão enorme diminuição de consumo de papel, redução de espaços e menor necessidade de pessoal de apoio.

Para se consolidar o processo eletrônico deverá vencer diversas modalidades de resistência e garantir segurança semelhante à encontrada no sistema tradicional. Não poderá, também, ressentir-se da menor falha, quanto à qualidade e confiabilidade dos julgados. O vício do "recorta e cola", difundido em escritórios de advocacia em massa, poderá contaminar magistrados, com imensos prejuízos para a Justiça e os jurisdicionados.

É bom que se cuide da informatização do processo. Como presidente do TST, procurei incrementar o uso do computador como eficiente auxiliar dos srs. ministros. Não concordo, contudo, que a tecnologia da informação seja imposta de maneira radical e abrupta, vedando-se a juízes e advogados o direito de escolha entre o método que conhecem e dominam e a tecnologia da informática, que terão necessidade urgente de aprender.

Há poucos dias, em rumorosa disputa intersindical, o emprego negligente do sistema informatizado na divulgação de julgados produziu autêntica teratologia judicial. Em determinado Tribunal Regional do Trabalho, a mesma causa, entre as mesmas partes, recebeu, em rápida sequência, duas decisões contraditórias. O acórdão publicado em primeiro lugar negou e o segundo deu provimento a recurso ordinário ajuizado pelo autor. Alegou o relator e subscritor de ambos os julgados que a culpa teria sido de servidor, o qual teria expedido, para publicação pelo Boletim Eletrônico do TRT, o julgado equivocado. Como explicar, entretanto, a existência de dois elaborados em sentido diametralmente oposto, ambos segundo as exigências formais do Código de Processo? O enigma permanece - e jamais será explicado.

A celeridade é necessidade imposta pela Constituição no artigo 5º, LXXVIII. Não deve, contudo, ser promovida a qualquer custo e preço. Pela própria natureza revestida de formalidades, o "devido processo legal" exige direção cercada de cuidados.

A tecnologia da informatização é inevitável e se encontra em fase de desenvolvimento e implantação. Devemos acolhê-la com otimismo prudente e contido, sem prejuízo do direito de defesa, da confiabilidade do processo, de segurança para as partes, os advogados e da majestade do Judiciário, cuja atuação é essencial ao Estado de Direito democrático.

...

*ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TST

  

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Comentários dos Leitores
Os textos dos leitores são apresentados na ordem decrescente de data. As opiniões aqui reproduzidas não expressam necessariamente a opinião do site, sendo de responsabilidade de seus autores.

Comentário de Leitor de MT (leitormt@lettera.es)
Em 17/09/2011, 11h43
Quase tudo correto. Mas...
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem centralizado as compras de equipamentos e software de infraestrutura, estabelecendo os alicerces virtuais da empreitada do processo virtual, entitulado PJE.

Quanto ao hardware, determinaram-se marca, modelo e dimensionamento de equipamentos de acordo com o volume processual de cada tribunal regional. Esse trabalho iniciou-se em 2005. Até aí tudo bem.

Quanto a sotware (nisso incluem-se o programa que oportuniza todo o trâmite eletrônico do processo judicial), o CNJ tem pecado imensamente. A começar pelo coração de qualquer sistema: o banco de dados.

Todos os dados de uma corporação, exceto documentos avulsos (texto, planilhas vídeos e imagens), são armazenados em banco de dados. Sotwares gerenciadores de banco dados oportunizam armazenamento, recuperação, pesquisa e modificação de maneira ágil e centralizada.

O banco de dados adotado pelo CNJ é o Oracle Database Enterprise, da Oracle Corporation. Amplamente usado por grandes corporações pelo mundo todo, a adoção de tal solução vai contra a tendência de uso de software livre, abertamente divulgada e incentivada pelo ex-presidente Lula. E considerando seu custo de licenciamento (sim, não é gratuito), se estabelece a contradição. O custo de licenciamento depende do dimensionamento da infraestrutura de servidores (computadores robustos que hospedam o software de banco de dados). Eis alguns dados a respeito do que acontece na Justiça por todo o país (91 tribunais):

- os menores tribunais regionais, ao todo sessenta (considerando o volume processual), receberam o pacote mínimo (armazenamento, processamento e software), para servir de infraestrutura para o PJE. Diz-se mínimo: dois computadores servidores de quatro processadores cada, e capacidade de 12 terabytes de disco. Isso demanda um licenciamento do banco de dados Oracle no valor perto de 300 mil reais;

- tribunais medianos receberam um pacote maior, exatamente o dobro de servidores (quatro) e disco (24 terabytes). Licenciamento: 600 mil reais;

- os dez maiores tribunais receberam o pacote máximo, digamos assim. Oito servidores, e 48 terabytes de armazenamento. Licenciamento: 1,2 milhão de reais.

Totalizando a conta de licenciamento: 60 x 300 mil + 21 x 600 mill + 10 x 1,200 milhão = 42,6 milhões de reais.

NOTA: o PJE, software que oportuniza o processo judicial eletrônico, NÃO usa Oracle, e sim seu maior concorrente gratuito, PostgreSQL.

Hardware servidor, para profissionais da TI, é um elemento que sofre obsolescência e fadiga, por trabalhar no regime 24/7. É natural (e desejável) a renovação de tais elementos do parque computacional a cada 24 meses.

Ao software de banco de dados, após a compra, o fornecedor garante atualização para correção de falhas e implementação de melhorias por um ano. Após isso, é necessário contratar suporte técnico. Então, nós jurisdicionados (explico mais adiante *), no quesito software, pagamos duas vezes (ou mais ao longo do tempo): a compra (absurda, por haver concorrentes a altura, e livres/gratuitos), e devido ao fato de o CNJ não informar que cabe aos tribunais pagar a conta adicional do suporte técnico.

* O Poder Judiciário, ao contrário dos outros poderes, não 'vive' dos impostos. Mantém-se das taxas próprias, que por sinal, são depositadas a conta da União. O Judiciário recebe de volta aproximadamente 35% do que arrecada. Portanto, não é o contribuinte que mantém o Judiciário, mas sim os jurisdicionados, maltratados por vários motivos:
- legislação branda (em geral) e contraditória em si mesmo (há muitos casos), abrindo brecha para N recursos e interações no processo, alongando desnecessariamente sua duração;
- desvio da arrecadação pela União, resultando em menos investimento pelo Judiciário;
- muitos presidentes de tribunais incapazes e desinteressados em administrar a coisa pública (são juízes, não gestores), estabelecendo-se a moda do 'cumpra-se', e não a do admnistrador, assessorado pelos diretores de diversas áreas;
- inércia (ou relutância) por grande parte dos juízes em adotar novos procedimentos e tecnologias para maior eficiência da prestação jurisdicional.

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