O reconhecimento da Palestina 18/09/2011
- O Estado de S.Paulo
A anunciada iniciativa palestina de pedir à ONU reconhecimento pleno e filiação é tida pelos céticos como fútil ou temerária. Fútil, em primeiro lugar, porque os Estados Unidos já anunciaram que vetarão a proposta no Conselho de Segurança, por onde terá de passar. O máximo a que os palestinos poderiam aspirar é ser acolhidos na instituição como Estado não membro, em vez de meros observadores, o que depende do voto de 129 dos seus 193 integrantes, na Assembleia-Geral que começa na próxima semana. Esse eventual desfecho, segue o raciocínio, será apenas simbólico: nada mudará nos territórios palestinos que Israel ocupa há 44 anos nem na queda de braço entre a Autoridade Palestina (AP) do presidente Mahmoud Abbas e o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.
Afinal, se este peitou os EUA, único aliado incondicional do Estado judeu, recusando-se a prorrogar o congelamento temporário dos assentamentos na Cisjordânia, como demandava o presidente Barack Obama para desemperrar as negociações de paz na região, não será mais um ato da ONU contrário a Israel que abalará a sua intransigência. Já os que consideram o passo palestino uma temeridade, quando não uma provocação, argumentam que, em represália, o Capitólio poderá cortar a ajuda americana de US$ 500 milhões anuais à Autoridade Palestina, o que representa 1/4 do seu orçamento. E Israel poderá deixar de arrecadar impostos para a AP, além de taxar a importação de produtos dos territórios, levando ao colapso a economia local. Isso, sem falar no recrudescimento das violações dos direitos elementares de sua população.
Pena que esses críticos não ofereçam nenhuma alternativa para restabelecer o processo de paz que Netanyahu sabotou no ano passado porque conduziria à criação de um Estado palestino viável dentro das fronteiras da Cisjordânia anteriores à guerra de 1967, com trocas de territórios entre as partes e o reconhecimento do direito de Israel de viver em paz e segurança. É a posição defendida pela ONU, os EUA, a União Europeia, a Rússia e a China. Em outubro do ano passado, Netanyahu declarou que as fronteiras de 1967 são "indefensáveis". Desde então, fez duas exigências reveladoras da aversão da direita israelense a um efetivo Estado palestino: manutenção de tropas no compartilhado Vale do Jordão e aceitação de Israel como "Estado judeu", embora 20% de sua população seja árabe.
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Israel nunca teve e talvez nunca venha a ter entre os palestinos um "parceiro para a paz" como Mahmoud Abbas. Mas Netanyahu nunca lhe deu nada para ao menos mitigar o legítimo sentimento de revolta e desespero de seu povo, enquanto não cessa de invocar que o Hamas, que controla a Faixa de Gaza - e verbera a "docilidade" da OLP chefiada por Abbas -, continua a pregar a destruição de Israel. O que o governo Netanyahu não vê é que desmoralizar o seu interlocutor tem o mesmo efeito que distribuir nos territórios ocupados fichas de inscrição no movimento extremista sustentado pelo Irã e abominado pelo Egito (mesmo depois da queda do regime filoisraelense de Hosni Mubarak) e pela Arábia Saudita.
Em 2002, por iniciativa saudita, a Liga Árabe aprovou a fórmula dos dois Estados com base nas fronteiras de 1967 como ponto de partida para o fim do conflito israelense-palestino - e a "normalização" das relações entre Israel e os seus vizinhos. Israel fingiu que não ouviu. Agora que Abbas se prepara para pedir que uma Palestina implantada nesse mesmo território seja reconhecida como Estado pela ONU, Israel retruca que isso será um obstáculo à paz. Queria o quê? Que Abbas continuasse impassível diante do colapso, induzido por Netanyahu, das negociações que Obama tentou patrocinar? Que ignorasse os ventos da primavera árabe?
O governo israelense age como se o mundo não se movesse e o repúdio às suas políticas não se intensificasse, com a perenização do status quo nos territórios ocupados. Longe de ser fútil ou temerário, o reconhecimento do Estado da Palestina na ONU pode romper um impasse intolerável - e dar a Israel a oportunidade de abrir os olhos.