Escola é empresa? 28/09/2011
- Cláudio de Moura Castro*
Com dedo em riste nos dizem: "Escola não é empresa", "educação não é produto", "avaliação é neoliberal", e por aí afora. Passemos ao largo desses soluços semânticos.
Embora tocar piano seja um ato individual, carregar o dito requer a cooperação de mais de um forçudo. Contudo são justamente as atividades do segundo tipo que mais crescem. Convivemos com empresas, igrejas, escolas, associações voluntárias e inúmeras outras formas de trabalho coletivo, com estruturas tortuosas e exigindo de quem as coordena cada vez mais competência para que cumpram o seu papel.
Curiosamente, por diferentes que pareçam, têm algumas necessidades comuns. Em primeiro lugar, precisam de clareza quanto aos resultados esperados, sem isso boa coisa não vai sair. Se um empurra o piano escada acima e outro, escada abaixo, é encrenca na certa. Portanto, definir objetivos claros é importante tanto para fábricas quanto para escolas.
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Qualquer organização busca sempre conseguir mais ou melhores resultados com o mesmo esforço, sejam quais forem os objetivos perseguidos: mais pneus produzidos, Judiciário com decisões mais justas e rápidas, escola com melhor qualidade. Produtividade e eficiência têm que ver com essa relação entre o esforço e o resultado. Portanto, esse nexo será sempre o foco de grandes atenções. O que tem isso de neoliberal?
Para sobreviverem as empresas foram as primeiras a buscar boas regras e boas técnicas para que pudessem ser mais eficientes. Nos últimos anos, explicitam-se os critérios da boa gestão: 1) Definir objetivos claros (o piano sobe ou desce?); 2) quantificar as metas (sem medir não sabemos onde estamos); 3) compartilhar as metas com os colaboradores; 4) criar instrumentos para acompanhar o funcionamento, passo a passo; e 5) criar mecanismos para premiar, punir e corrigir os desvios.
Isso serve para as escolas? Faz alguns anos, pesquisadores europeus identificaram traços característicos das melhores escolas (todas públicas). Descobriram também que eram geridas por princípios muito parecidos com os cinco citados. Não usavam nenhuma das ferramentas modernas de administração, mas é como se as usassem. Ou seja, a lista acima identifica um núcleo duro de regras explícitas ou implícitas que caracterizam a boa gestão.
Nos últimos anos houve várias iniciativas de adaptar para as escolas aquelas ferramentas que se revelaram poderosas para obter melhores resultados nas empresas. Note-se que não falamos de resultados econômicos ou lucros, mas do conjunto de objetivos que os responsáveis escolham, quaisquer que sejam. Pode ser nota na Prova Brasil, pode ser aprovação, menor deserção, disciplina, medalhas.
O INDG (associado ao nome de Vicente Falconi) desenvolveu ferramentas desse tipo e que vêm sendo aplicadas em redes públicas. Marcos Magalhães, em seu projeto Procentro, também está caminhando nas mesmas direções. Como faço parte do Conselho da Fundação Pitágoras (por causa de um envolvimento profissional anterior com o Grupo Pitágoras/Kroton), acompanho mais de perto o Sistema de Gestão Integrado (SGI) dessa fundação. Trata-se de um sistema para melhorar a gestão de redes municipais de educação.
Como as escolas têm pouca clareza quanto aos seus objetivos, o primeiro passo do SGI é estabelecer prioridades. É preciso alinhar o que pretende a secretaria com a comunidade da escola (diretores, professores e mesmo os alunos): vamos combinar, todos vão empurrar o piano na mesma direção. As principais metas tendem a ser baseadas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) ou nas avaliações estaduais. Vale mencionar que as escolas estampam à sua porta metas e resultados, sem causar traumas. Mais ainda, diretores, professores e até os alunos sabem interpretar os gráficos, seja da escola, de cada classe ou as notas individuais.
Há rotinas para avaliar o que está andando bem e o que precisa ser corrigido. Entrei numa classe de primeiro ano e escolhi um aluno ao acaso. Fui direto: Quais as suas prioridades? Quais os problemas desta sala? O aluninho respondeu que sua meta era ler, escrever e fazer contas, seguindo-se uma descrição de problemas com faltas ou conversas na aula.
Nos anos recentes, muitos municípios do interior de Minas Gerais aderiram ao SGI. No intervalo entre 2007 e 2009, a implantação do SGI aumentou de quatro pontos decimais os resultados medidos no Ideb. Isso é duas vezes mais que o crescimento nacional. Até mais surpreendente, os 43 municípios do Vale do Jequitinhonha passaram de 3,2 para 5,1 pontos!
No seu período de implantação, que dura dois anos, o SGI custa um total R$ 27 por aluno. Embora a operação subsequente seja trabalhosa, não gera custos. Assim sendo, a relação entre gastos e resultados é imbatível. O sucesso, contudo, depende da motivação das prefeituras. Ou seja, o SGI oferece ao prefeito uma ferramenta poderosa, mas é preciso que ele queira usá-la.
O SGI também dá certo em municípios mais ricos. Em 2011, a Secretaria de Educação de Sorocaba ganhou o Prêmio Paulista de Qualidade. Aliás, Sorocaba e São José dos Campos são campeões no Ideb, dentre os municípios com mais de meio milhão de habitantes. Ambos têm SGI implantado. Em áspero contraste, há acidentes de percurso. Mudanças de prefeito já resultaram no cancelamento instantâneo do programa.
É irrelevante perder tempo indagando se a escola tem "produto", se ensino é "mercadoria", se "produtivismo" é neoliberal e outras fantasias do mesmo naipe. Importa reter que instituições das mais variadas naturezas e índoles têm muito em comum e que há boas regras e ferramentas que servem para todas. Como o setor produtivo se antecipou aos outros, há excelentes razões para aprender como ele. Com efeito, quem entendeu isso está ganhando qualidade.