Riscos em alta frequência 12/10/2011
- José Paulo Kupfer - O Estado de S.Paulo
Não deve passar despercebido a ninguém que os mercados globais, sobretudo os de ações, mudaram seu padrão de comportamento. Em meio ao colapso de 2008 e, mais recentemente, ao longo da agonia das economias ultraendividadas da Europa, os pregões se movem agora aos pinotes. Fortes altas e fortes baixas nas cotações se alternam com tal frequência, às vezes numa única sessão, que já começam a parecer banais.
A explicação convencional para o fenômeno contemporâneo da altíssima volatilidade nos mercados remete às incertezas alimentadas pelo tumultuado ambiente da economia global. Dia sim outro não, os mercados ficam à beira do precipício, a partir de movimentos deflagrados por rebaixamento das notas de risco, ameaça de calotes iminentes e rumores de colapsos bancários em cadeia. Este parece, de fato, ser o elemento básico da transformação dos mercados em montanhas-russas, com o altamente inflamável combustível do “efeito manada” a propulsioná-los para picos elevadíssimos e vales profundos.
É intuitivo imaginar que as enormes incertezas atuais na economia global se reflitam nos pregões. Há, porém, além disso, uma outra força propulsora a empurrar os mercados para este inédito e indesejável padrão de volatilidade: as operações de alta frequência (high frequency trading, HFT, em inglês). Elas consistem na emissão de ordens de compra ou venda de papéis, disparadas por computador, a partir de uma programação prévia.
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Capazes de enviar ordens na velocidade de um milissegundo, os robôs – softwares instalados nos computadores que executam algoritmos e disparam as ordens de compra ou venda – já respondem por duas de cada três operações efetivadas na Bolsa de Nova York. No Brasil, a Bolsa de São Paulo tem estimulado o uso da alta frequência e promete para o ano que vem reduzir o tempo da operação de 15 milissegundos para 1,1 milissegundo. Em setembro deste ano, 10,5% das operações na bolsa brasileira já foram em alta frequência.
Os robôs podem ser programados, por exemplo, para enviar ordens de venda ou compra a partir de um certo nível de volatilidade do papel ou de um determinado volume de compras de uma dada ação. O acesso aos servidores das bolsas é global e, assim, um robô num computador em Tóquio pode emitir ordens no Brasil – o que, aliás, já ocorre na realidade, ainda que por enquanto restrito as operações com derivativos na BMF. É fácil concluir que as operações de alta frequência potencializam o “efeito manada”.
Com as operações de alta frequência, a perspectiva teórica é a de driblar as incertezas de mercado e engordar o cofre enquanto se dorme ou se bebe um uísque, com a multiplicação quase sem fim de ganhos unitários infinitésimos num átimo de tempo. Parece ficção científica – e não é.
Operações em alta frequência têm se tornado uma febre ao redor do mundo. E, por isso, passaram a preocupar cada vez mais os reguladores de mercado. Recentemente, nos Estados Unidos e Europa, investidores foram multados sob a acusação de manipulação de preços. Aumenta o número de casos de fraudes, com o disparo em segundos de milhares ou mesmo milhões de ordens de compra que são em seguida canceladas, mexendo com as cotações no meio tempo e arrastando investidores para um mundo de enganos e indicações falsas.
O problema não é só o risco de que ocorra uma falha operacional, como a que jogou as bolsas do mundo inteiro num torvelinho, em maio do ano passado, em meio uma sessão vespertina sem anormalidades, na Bolsa de Nova York. Tudo indica que um robô deu um tilt e ordenou vendas em massa, provocando uma reação em cadeia nos outros robôs. Em 15 minutos, o índice Dow Jones desabou mais de mil pontos – a maior queda da história numa única sessão -, levando papéis de companhias sólidas a perdas de 20% ou 30% e a uma onda de pânico e “circuit breakers” nos mercados globais.
Operações literalmente virtuais dessa natureza acentuam as desconfianças em relação aos mercados e ao verdadeiro valor dos ativos neles negociados. Mais do que isso, tornam ainda mais críticas as graves questões envolvendo “moral hazards”, que assolam o sistema econômico-financeiro do início deste século 21. Não é por outra razão que, em julho, a Securities and Exchange Commission (SEC), nos Estados Unidos, adotou novas e mais restritivas regras para as operações de alta frequência, antecipando o que será proposto para todos, na reunião do G-20, neste mês.
Será preciso, de todo modo, ampliar muito mais os poderes de supervisão dos mercados para assegurar a seus participantes que eles funcionem tão correta e eficientemente quanto em teoria se diz que funcionam.