Desaceleração programada da economia 20/10/2011
- Roberto Macedo*
A atividade econômica mundial vem perdendo velocidade. No Brasil, destaca-se o fraco desempenho da indústria, cujas previsões de crescimento em 2011 mostram taxas perto de apenas 2%. E em meados de outubro, quando previsões anuais são mais críveis, pois assentadas em desempenho efetivo que já entrou pelo quarto trimestre.
Um indicador mais geral é o IBC-Br, índice mensal do Banco Central (BC), que prevê a variação do produto interno bruto (PIB). Esse índice mostrou até mesmo uma queda de 0,53% em agosto, ao qual correspondem os últimos números divulgados.
Contemplando esses e outros dados de desaceleração da economia, o Ministério da Fazenda anunciou, no último dia 11, que reduzirá de 4,5% para 3,5% a 4% sua previsão do crescimento do PIB brasileiro em 2011. Vale lembrar que no ano passado a variação foi de 7,5%, uma aceleração que sobreveio à queda de 0,6% em 2009. No relatório semanal Focus, do BC, que apresenta as previsões de analistas do mercado financeiro, desde o início do ano a taxa do PIB em 2011 vem caindo, e na semana passada estava em 3,42%. Se ficar por aí, o crescimento médio nesses três anos será de medíocres 3,4%.
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Este jornal anunciou que na última quinta-feira o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a desaceleração em curso foi "programada" por medidas como as restrições ao crédito que vieram ao chegar o ano e o aumento da taxa básica de juros a partir da primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, em 2011.
Aspas em programada cabem porque em economia qualquer atribuição de um fenômeno a uma única causa deve ser vista com suspeição. Outra razão é que a economia não é passível de ser conduzida como um bonde, cujo motorneiro pode controlar com precisão a velocidade desejada.
Tanto assim é que, perguntado pelo repórter se a desaceleração não foi muito maior que a esperada, o ministro respondeu evasivamente, referindo-se à tal "programação" como necessária em decorrência do forte crescimento que a economia mostrava na virada de 2010 para 2011. De fato havia essa necessidade, e vieram efeitos das medidas, mas a desaceleração não veio só delas.
Resposta apropriada à pergunta teria sido um sim, pois mesmo com as citadas medidas o Ministério da Fazenda trabalhava até recentemente com uma previsão de 4,5% para a taxa do PIB em 2011, só há pouco reduzida para o citado intervalo entre 3,5% e 4%. Razão adicional e muito importante foi a queda de velocidade também da economia mundial. De novo ela passa por crise, em grande parte como sequela da que veio entre 2008 e 2009, em que vários governos adotaram medidas de socorro que ampliaram muito seus déficits e dívidas. E mais: seu financiamento por bancos trouxe problemas para vários deles, pois há governos com dificuldades para rolar o que devem.
O epicentro da crise está na zona do euro, onde há países em sérias condições, como a Grécia, esta bem perto da moratória. Entre bancos, destaque recente coube ao Dexia, resgatado pelo governo belga mediante estatização de suas operações de varejo, com o correspondente pagamento servindo para capitalizar a outra parte, presumivelmente a que detém os papéis de governos, e que também recebeu garantias estatais para afastar a ameaça de insolvência.
Mas há outros bancos em dificuldades e a União Europeia anunciou que prepara uma recapitalização de vários deles. Como ainda não veio, e tampouco uma solução eficaz para os países em maiores dificuldades, permanece o risco de novas más notícias e de contínua volatilidade dos mercados financeiros. A crise assusta e retrai consumidores, investidores individuais e empresariais e surgem também restrições ao crédito, o que diminui o ritmo das economias locais e da mundial. Tudo acaba respingando neste insensato país tropical, reduzindo seu crescimento, que permanece medíocre relativamente a seu potencial.
Outra dificuldade dessa desaceleração "programada" é o fato de ser propalada por membro de um governo que tem no seu Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, uma de suas maiores bandeiras, hoje a meio pau, depois de eleitoralmente hasteada bem no alto em 2010.
Enquanto isso, além da recessão "programada" em Brasília, o Banco Central afirma que passou a contar com essa outra, a da economia mundial e seu efeito negativo no País, como coadjuvante de sua política para conter a inflação, hoje fora do limite superior, de 6,5% ao ano, da meta dessa política. Assim, é como se o sucesso da nossa política monetária dependesse da desgraça alheia.
Enquanto isso, o governo federal não faz o que há muito tempo precisa ser mesmo concebido, programado e efetivamente executado, na forma de um plano nacional para retirar o País do crescimento medíocre que sucedeu ao das duas décadas perdidas no final do século passado, e que também não é sustentável ao depender demais dos humores da economia mundial. Tal plano deveria ser centrado num aumento da poupança nacional e de outros recursos para aumentar sensivelmente os investimentos, em particular os do governo, que arrecada demais e investe de menos.
E mesmo quando investe não é bom gestor de projetos, ao lado de se equivocar ao escolher vários deles, como os festivos da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos e o do abominável trem-bala, uma trinca de altíssimo custo relativamente a seus benefícios, que praticamente nada adicionarão à competitividade da economia nacional.
Além disso, conforme o noticiário evidencia, muitos recursos se perdem fartamente, às vezes também de forma corrupta, no varejão político. Aí, com a cumplicidade entre as partes, a cevar ONGs que, como organizações de fato neogovernamentais, são hoje uma já não tão nova espécie nos negócios do ramo.
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*Economista (UFMG, USP e Harvard), consultor econômico e de ensino superior, é professor associado à Faap