Uma nova fase de paz e amor entre o Banco Central (BC) e o mercado financeiro parece ter sido inaugurada com o novo corte de juros - de 12% para 11,5% - anunciado na quarta-feira pelo Copom. A decisão confirmou a previsão dominante no setor financeiro e foi recebida com tranquilidade. Além disso, a nova redução da taxa Selic ajustou-se com perfeição ao discurso recente das autoridades monetárias.
Tudo se passou como se o presidente do BC, Alexandre Tombini, e seus companheiros houvessem redescoberto a arte de falar ao mercado e de conduzir suavemente a formação das expectativas. Tudo bem, portanto?
Longe disso. O entendimento pode ter melhorado e, além disso, as manifestações de apoio à política mais frouxa são hoje mais numerosas do que foram depois do primeiro corte, em 31 de agosto. Mas a inflação prevista para este ano continua em torno do limite superior da banda de tolerância e a estimada para 2012 permanece bem longe do centro da meta (4,5%).
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Convém, portanto, alguma cautela em relação a esse novo padrão de diálogo entre o BC e o mercado. Alguns economistas do setor financeiro aplaudiram a nova decisão do Copom e mostraram-se otimistas quanto ao arrefecimento da inflação nos próximos meses e ao longo do próximo ano. Os dirigentes do BC acertaram, segundo esses analistas, ao prever o agravamento do quadro mundial e a desaceleração da economia brasileira. Têm o mérito, portanto, de haver saído na frente, adotando medidas para uma acomodação mais suave da produção e da demanda no mercado interno. Outros economistas, no entanto, mantêm a avaliação inicial: o BC pode ter-se precipitado em 31 de agosto e o novo corte da Selic foi mais uma imprudência.
Ainda não está claro, segundo os críticos, como a piora do quadro internacional afetará a economia brasileira. A produção industrial já perdeu impulso no Brasil, mas a demanda interna continua forte e isso se reflete no conjunto dos preços, especialmente dos serviços. A desaceleração do setor industrial é explicável em grande parte pela perda de competitividade dos produtores nacionais. O câmbio e outros fatores contribuíram para isso. Mas o movimento de compras continuou vigoroso e, por enquanto, não há sinais de arrefecimento.
Mesmo o arrefecimento da economia chinesa, principal mercado para as matérias-primas brasileiras, ainda é muito moderado. No terceiro trimestre, o PIB chinês foi 9,1% maior do que um ano antes. Além disso, a evolução das cotações dos produtos básicos tem sido desigual. Caíram, por exemplo, os preços de alguns produtos agrícolas, mas a soja continua valorizada. É cedo para saber se o mercado internacional produzirá alguma desinflação no Brasil. Enfim, é preciso levar em conta os gastos públicos. Não houve moderação neste ano nem há indicação de algum freio em 2012. A proposta orçamentária aponta nova expansão do custeio e, além do mais, o compromisso com a Copa do Mundo forçará uma aceleração do investimento público.
A pergunta é inevitável: ainda vigoram as metas de inflação? Não se trata de saber se os preços ao consumidor em 2012 subirão 4,5% ou pouco mais. Trata-se de saber se o BC continua comprometido com esse objetivo. Se não estiver, a dúvida mais importante já não será sobre os números finais da inflação no próximo ano, mas sobre o futuro da política anti-inflacionária. O fato de 2012 ser um ano de eleições municipais justifica os temores.
A dúvida sobre o regime de inflação ganha um peso especial porque ainda não está claro o novo relacionamento do BC com a Presidência da República e o Ministério da Fazenda. Houve rumor sobre o uso, no mercado, de informação privilegiada sobre a decisão do Copom de 31 de agosto. Esse rumor só teria sentido se a redução dos juros estivesse decidida por antecipação ou se um alto funcionário tivesse falado sobre o assunto com grande segurança. As suspeitas podem ser infundadas, mas não resultaram de mera invencionice. A eficácia de qualquer BC depende crucialmente de credibilidade. Ninguém deveria desprezar esse dado.