O capital do camarada ministro 26/10/2011
- O Estado de S.Paulo
Em outros tempos se diria que "são desencontrados os rumores" sobre o destino do ministro do Esporte, Orlando Silva, do PC do B. No fim de semana atrasado, um PM do Distrito Federal, João Dias Ferreira, seu correligionário, ongueiro e beneficiário de convênios suspeitos com a pasta, o acusou de participar de um esquema de cobrança de propina nos contratos do programa Segundo Tempo, para jovens carentes. Desde então, o ministro tem sido alvo de uma ou mais denúncias por dia, não apenas sobre favorecimento aos camaradas nos negócios esportivos, mas também de casos clamorosos de desídia. Ainda ontem, por exemplo, este jornal revelou que obras previstas em um convênio com a Prefeitura de Campos do Jordão, assinado em 2006 pelo ministro, praticamente continuam na estaca zero - mas já consumiram R$ 1,37 milhão dos cofres federais.
O desencontro de versões sobre o que a presidente Dilma Rousseff irá fazer com o único membro do PC do B no seu Gabinete exprime, na realidade, o fato singelo de que ela não sabe como sair de mais essa enrascada no viscoso cipoal da corrupção no governo. Na sexta-feira, Dilma convocou o ministro para uma conversa de horas - ao fim da qual assessores da presidente anunciaram que ela havia lhe dado o equivalente a um visto de permanência na administração. Seria, no entanto, uma permanência temporária, a julgar por um comentário atribuído a Dilma, em dado momento de sua estada em Manaus, ao lado do patrono Lula, na segunda-feira. Orlando Silva "não resistiria a uma denúncia nova", teria ela afirmado. Também o ex-presidente parece ter caído em um poço de dúvidas.
Depois de dar apoio ostensivo ao ministro que ficou no governo Dilma a seu pedido e de instar o PC do B a cerrar fileiras em torno dele, Lula teria confessado não ter mais "convicção de nada" e se queixado dos comunistas. "Só me contam o que (lhes) interessa. O que não interessa eu fico sabendo pelos jornais", desabafou, segundo uma fonte, numa involuntária homenagem à imprensa cuja leitura o fazia sentir azia. Ainda que o noticiário o convença de que o Esporte é uma arena de maracutaias, será a extremo contragosto que ele cessará de blindar o suspeito de tolerá-las, ou de promovê-las. Deixaria assim Dilma livre para fazer o que achar mais conveniente. Lula tem uma dívida de peso com o PC do B - e a presidente sabe disso. A legenda comunista ortodoxa foi a única, além do PT obviamente, a apoiar todas as tentativas de Lula de alcançar o Planalto.
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Por ora, o PC do B é o capital de Orlando Silva. Para conservá-lo, escreveu uma carta aos seus hierarcas, citando o poeta comunista chileno Pablo Neruda. Ele disse certa vez que se sentia indestrutível porque "contigo, meu partido, não termino em mim mesmo". O ministro ressaltava assim a sua indestrutível identificação com a legenda que "jamais reviu os seus dogmas". A sigla da foice não poderia ceifar do poder um quadro que de tal modo proclama a sua firmeza ideológica - além de transformar as denúncias contra si em expressão de uma imaginária "luta de classes". Mas há também uma razão política real para o governo não comprar briga com o PC do B. O partido poderia partir para cima do antecessor de Orlando Silva, com quem os "malfeitos" na pasta teriam começado - o governador do DF, Agnelo Queiroz, que migrou para o PT.
Por sinal, os companheiros, enquanto se mantêm publicamente solidários ao ministro, fazem já os seus cálculos para a eventualidade de sua queda. Partindo da premissa de que o PC do B poderia ser aplacado com a indicação de outro camarada para o lugar de Orlando Silva, os petistas ventilam os nomes dos deputados Aldo Rebelo e Manuela D'Ávila e o do presidente da Embratur, Flávio Dino. Coincidentemente, todos eles têm planos próprios inconvenientes para o PT. Rebelo gostaria de voltar a dirigir a Câmara. Manuela quer ser prefeita de Porto Alegre. Dino, desafeto do amigão de Lula, José Sarney, ambiciona se eleger em São Luís. São essas coisas que contam para os políticos. A imprensa que se ocupe do que não lhes interessa.