A tardia decisão no Esporte 28/10/2011
- O Estado de S.Paulo
Só depois de a ministra Carmen Lúcia, do STF, anunciar na terça-feira que autorizara a abertura de inquérito para investigar, a pedido do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, os convênios do Ministério do Esporte na gestão Orlando Silva, a presidente Dilma Rousseff se rendeu à evidência de que o ministro do PC do B, herdado do governo Lula, tinha perdido as condições políticas de continuar no cargo havia já dez dias, com a divulgação de novas acusações contra ele. A presidente invocou o princípio da presunção de inocência diante da denúncia de que o ministro se envolvera pessoalmente no esquema de desvio de verbas do programa Segundo Tempo, para favorecer, se não a si próprio, o seu partido.
É bem verdade que o delator, o PM do Distrito Federal João Dias Ferreira, tem ficha suja e chegou a ser preso pela Polícia Federal por suspeita de apropriação de recursos públicos. É verdade ainda que ele não apresentou provas cabais das irregularidades apontadas e que o seu comportamento, desde então, foi o de um farsante. Mas era de esperar que a verossimilhança de suas acusações, coerentes com o que já se sabia das sistemáticas maracutaias no Esporte - detalhadas neste jornal, em fevereiro último -, fosse mais do que suficiente para alertar a presidente do imperativo de se desfazer do titular de um Ministério que Lula entregara ao PC do B, já em 2003, em regime de porteira fechada.
Além disso, pesava o retrospecto de quatro escândalos que resultaram em baixas no seu Gabinete em nove meses de Planalto - um recorde na história da República. Das vezes anteriores, ela conseguiu fazer dos limões uma limonada ao personificar, perante uma opinião pública nauseada pela corrupção política, a faxina na administração federal, embora a reboque do noticiário. Agora, refém de seus dilemas, quando não do patrono Lula - arrimo durante duas semanas do militante de um partido do qual se sente devedor desde a sua primeira candidatura presidencial -, Dilma permitiu que a sua imagem ficasse contaminada pela hemorragia do ministro, atingido, dia sim, o outro também, por revelações de "malfeitos" no seu entorno.
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Ela parece não ter entendido que em política não há presunção de inocência - ainda mais no Brasil, onde, ao longo do tempo, legiões de políticos fizeram por merecer a presunção de culpa. Em política, os conceitos são outros: responsabilidade e legitimação. Alheio a isso, um Orlando Silva destituído de legitimidade só dificultou a vida da chefe ao se agarrar irresponsavelmente ao posto como a ostra à pedra. Nos estertores, apelou para a ideologia de seu partido presumivelmente monolítico. A essa altura, porém, dando a batalha por perdida, os camaradas já se preocupavam mais em conservar a única pasta sob seu controle, de alto a baixo aliás, no primeiro escalão dilmista. (O PC do B tem ainda o comando da Embratur e da Agência Nacional do Petróleo.)
Tendo demorado mais do que seria razoável para despedir seu sexto ministro (apenas Nelson Jobim, da Defesa, por motivos alheios à ganância), Dilma desperdiçou a oportunidade de aparecer de novo perante a sociedade como primeira-faxineira. E perdeu, também, a ocasião de ser aplaudida pelo que seria uma decisão de alcance ainda maior - o início do desmanche do enfeudamento partidário da Esplanada dos Ministérios e cercanias. O formidável reconhecimento público com que seria premiada, se fizesse valer a lógica republicana de que um órgão de Estado não pode "pertencer" a um partido, lhe daria capital para enfrentar a zanga da base aliada, cuja ganância iguala desde o PP malufista ao PC do B da Guerrilha do Araguaia.
Pior ainda, outra vez Dilma guindou ao seu superpovoado Gabinete um político com escassa intimidade dos assuntos do setor que lhe tocará conduzir - com a agravante, no caso, de uma Copa do Mundo e de uma Olimpíada no horizonte. Nada consta que desabone o deputado Aldo Rebelo, de quem se falava para o Ministério antes até do tardio velório de Orlando Silva. Mas tampouco consta que ele tenha o mapa do que o memorável técnico João Saldanha chamaria os subterrâneos do esporte.