Era de expectativas diminutas 01/11/2011
- Ilan Goldfajn*
A dívida deverá chegar a 120% do PIB em 2020, na melhor das hipóteses. Dependerá da adesão voluntária de 90% dos credores ao calote de metade do que têm a receber. E de anos de aperto fiscal. Não há possibilidade de depreciação da moeda para crescer exportando. A competitividade terá de ser ganha na forma de preços e salários mais baixos, solução que a sociedade em greve ainda terá de aceitar. Esse é o pacote anunciado para a Grécia. Evitar o contágio para outros países não é fácil. Não foram aprovados recursos suficientes para tal. A saída é usar o dinheiro disponível para evitar uma quebra bancária e esperar ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou da China para enfrentar o problema das outras dívidas. Os mercados respiraram aliviados com o anúncio de novas medidas, houve até uma pequena euforia. Esperavam notícias piores. Um plano anunciado parece melhor que nenhum nesta era de expectativas baixas.
Saberemos mais sobre a disposição do restante do mundo de ajudar a Europa esta semana, na reunião do G-20. Os EUA têm seus próprios problemas e a China é cautelosa, quer saber se as medidas adotadas são suficientes. O plano tem três pilares. O primeiro é a reestruturação da dívida grega, com base no calote de 50% e num novo programa de financiamento de 100 bilhões pelo FMI e pela União Europeia até o final do ano. O segundo é a recapitalização dos bancos europeus baseada num novo teste de estresse que sugere a necessidade de 106 bilhões. E o terceiro é o uso do Fundo Europeu de Estabilização Financeira para captar novos recursos no setor privado, nos governos (China, etc.) ou no FMI. A ideia é chegar a 1 trilhão para poder fazer frente a todas as necessidades atuais. Afinal, com os problemas na Europa chegando à Espanha e à Itália, evitar o contágio requer uma soma de dinheiro que ultrapassa as centenas de bilhões e chega a trilhões.
Há, certamente, dúvidas. Haverá adesão "voluntária" em larga escala para a reestruturação da Grécia? Os recursos postos à disposição para a capitalização dos bancos são suficientes? (Ou seja, o stress test foi estressado o suficiente?). EUA, China, FMI ou o setor privado estarão dispostos a contribuir com consideráveis recursos adicionais? E os países em dificuldades conseguirão implementar os difíceis ajustes fiscais por anos?
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Nenhuma dessas questões é de resposta imediata. Há riscos sérios de implementação. Por exemplo, não acredito que facilmente o setor privado ou a China venham a colocar novos recursos que alavanquem o fundo europeu. O setor privado teme o calote, que já começou na Grécia. A China deve se questionar por que os próprios governos europeus não estão dispostos a contribuir com mais recursos.
De qualquer forma, o anúncio das medidas diminuiu o risco de um colapso imediato. Uma corrida bancária ou a quebra de um país agora vão depender do sucesso do que foi anunciado. Aguarda-se o desfecho. A esperança, que é a última que morre, acaba de ser renovada.
Mas as dificuldades atuais na Europa já devem impactar o crescimento do PIB. Enquanto se fala na necessidade de intervir nos bancos e capitalizá-los, estes se antecipam e tentam aumentar seu capital por conta própria, vendendo ativos e diminuindo o crédito. O efeito é limitar o crescimento na região. As políticas de ajuste fiscal são a solução no longo prazo, mas no curto prazo também diminuem o crescimento. A incerteza sobre o futuro reduz a confiança dos empresários e dos consumidores, diminuindo investimento e consumo. Em geral, espera-se um crescimento negativo no ano que vem e muito baixo por anos pela frente.
No Brasil, estimamos que a redução das perspectivas de crescimento global, o aumento da incerteza e a piora das condições financeiras internacionais vão impactar negativamente o crescimento via redução da confiança aqui dentro, assim como a queda do crescimento das exportações, com uma defasagem mais longa.
O desempenho da economia está sendo fraco, antes mesmo dos efeitos plenos do impacto internacional. Um conjunto amplo de dados mostra que a desaceleração do PIB se intensificou nos últimos meses. O crescimento mais baixo é explicado, em grande parte, pelas medidas de contenção da demanda que o governo adotou entre o final de 2010 e o início de 2011. O aumento da taxa de juros, as medidas para desacelerar o crédito (compulsório e requerimento de capital) e a redução da taxa de expansão dos gastos alcançaram seus efeitos máximos, levando a economia a uma trajetória de crescimento mais lento.
Os últimos dados de atividade mostram que o crescimento do PIB no último trimestre foi de apenas 0,3% (abaixo da nossa estimativa anterior, de 0,6%). O que significa que estatisticamente não são baixas as possibilidades de o PIB ter recuado. Para o ano de 2011 esperamos crescimento em torno de 3%, também com possibilidades de ficar mais reduzido.
Um crescimento mais baixo no final deste ano tem implicações negativas para o próximo. Primeiro, pelo chamado carry over, um menor carregamento estatístico para o ano seguinte, que é a dificuldade de crescer mais na média, dado que ainda há necessidade de recuperar a fraqueza do final do ano anterior. Segundo, porque um crescimento baixo no curto prazo tende a elevar a ociosidade da economia, reduzindo os investimentos e as contratações nos meses seguintes.
Mesmo sem ruptura, o cenário global é de crescimento mais baixo por causa dos graves problemas, principalmente na Europa. O mais provável é que o mundo hoje caminhe em fortes altos e baixos. Após um período longo de baixos, entramos num período de alta, após os anúncios das medidas na semana passada. O mundo vive o alívio, provavelmente de curta duração, fruto de uma época de expectativas diminutas.
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*Economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do Itaú BBA