Moral e política 07/11/2011
- Denis Lerrer Rosenfield*
Uma avaliação isenta do governo da presidente Dilma Rousseff mostra resultados inegáveis no que diz respeito às relações entre moral e política. A denominada faxina ética tem dado mostras de eficácia, com cinco ministros forçados a renunciar em dez meses de governo. E os ministros em questão abandonaram o governo por motivos éticos, e mesmo legais, com suspeitas - em alguns casos, bastante graves - de desvios de recursos públicos e/ou de corrupção.
Nesse sentido, não deixa de causar espanto que muitos formadores de opinião ainda sustentem que nada mudou do governo anterior para o atual, sendo este último mera prolongação do anterior. Basta comparar o que foi feito em relação a essa questão nos dois governos: num caso, foram cinco ministros em dez meses; no outro, nenhum em oito anos - e o ex-presidente Lula ainda afagava infratores e os instigava a resistir. Os fatos são eloquentes.
Não se trata, gostaria de salientar, de criar zizanha entre os dois presidentes, mas tão simplesmente ressaltar um fato de ordem empírica, que, como tal, não deveria deixar lugar a dúvidas. Juízos morais e políticos se formam a partir de uma percepção verdadeira dos fatos. A nova presidente, de fato, nesse domínio está inovando, não pactuando com o desvio de recursos públicos e a corrupção. Só não vê quem não quer.
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Ao fazê-lo, ela está dando um exemplo ao País. E exemplos são fundamentais na estruturação de uma nação, no modo como ela se pensa e se representa. Se um governante dá como exemplo a leniência com a corrupção, torna-se, de certa maneira, "natural" que os cidadãos em geral se tornem também lenientes com os mais diferentes tipos de ilícito e de crime. Alguns passam até a achar que é normal roubar, pois, se os grandes o fazem, é porque é permitido. A impunidade vira regra. Mas se os governantes apresentam outro tipo de exemplo, o freio, por assim dizer, vem de cima, mostrando que os infratores serão punidos.
Nesse contexto, o exemplo da presidente deveria, sim, ser objeto de elogio, não de crítica nem de reservas. Aliás, uma das reservas mais constantemente apresentadas é a de que, sendo ela criatura de Lula, não poderia fazer algo distinto. Não são poucos os casos históricos de criaturas que se distanciam de seu criador. A questão, no entanto, é também outra: a de que uma pessoa nascida num meio determinado não poderia dele se livrar ou se afastar.
Ora, se tal colocação fosse verdadeira, não poderíamos explicar como o Brasil saiu da ditadura militar por obra dos próprios militares. Não foi a esquerda armada que fez a transição, foram os próprios militares que criaram as condições para tal, tendo sido, inclusive, os garantes da entrada do Brasil na democracia. Militares que tinham precisamente uma outra visão daquilo que havia germinado em seu próprio meio. Ou seja, muitas vezes são as próprias pessoas oriundas de um meio determinado que criam condições de saída dele.
Na última substituição ministerial, a do Esporte, teve-se, ademais, um ganho adicional, que também funciona a modo de exemplo, no que se refere ao financiamento público de organizações não governamentais (ONGs). O novo ministro, Aldo Rebelo, já se manifestou contra esse financiamento público em sua pasta e, sendo pessoa reconhecidamente proba e idônea, há que conceder-lhe crédito. A própria presidente, por sua vez, ordenou a suspensão de pagamentos a ONGs por 60 dias, tempo necessário para que um pente-fino seja passado nos convênios em vigor.
É bem verdade que há ONGs e ONGs, sérias e não sérias. Não menos verdadeiro é que se faz necessária uma avaliação mais criteriosa de suas formas públicas de financiamento, pois o dinheiro dos impostos, já bastante elevados em nosso país, deveria ser objeto de um emprego extremamente criterioso. De fato, é inadmissível que ONGs sejam usadas para o desvio de recursos dos contribuintes, em nome precisamente da causa pública. A perversão é total. A palavra "público" é apropriada para usos indevidos e ilícitos de alguns particulares.
Se, então, observarmos mais atentamente o que está ocorrendo, também poderemos verificar que estamos diante de uma reforma ministerial, que se está fazendo aos poucos, não sendo necessário aguardar por uma grande mudança. Foram seis ministros já substituídos, acrescentando Nelson Jobim, que saiu por motivos alheios a problemas de ordem ética.
Talvez possamos dizer que se trata do jeito dilmista de governar, com mudanças progressivas, aproveitando as ocasiões conforme vão sendo apresentadas. Poder-se-ia até mesmo aventar a hipótese de que o próprio Palácio do Planalto estivesse sendo conivente com a divulgação dessas denúncias, na medida em que vão sendo divulgadas pela grande mídia.
Pode-se suspeitar que a presidente não seja somente refém da mídia, como muitos têm destacado, mas seja ela própria agente desse processo. Já há mesmo todo um ritual estabelecido de queda de ministros, num cronograma preestabelecido que se desenvolve em pouquíssimas semanas, algo politicamente inaudito em nossa História recente. Aliás, o Palácio do Planalto tem ganho, e não perdido tempo.
Claro que se pode sempre dizer que não há uma mudança estrutural, com vários esquemas sendo mantidos com a substituição de certos personagens. Convém, contudo, também esclarecer que mudanças políticas, principalmente em nosso país, são feitas gradativamente, e não de forma abrupta. Nada se muda de um só golpe. Tudo dependerá da evolução dos acontecimentos, dessa lógica da política e de como os diferentes partidos, também os de oposição, se vão portar. O próprio PT está tendo de assimilar essas mudanças, porque elas não correspondiam ao modo lulista de governar.
Entretanto, há algo novo em curso, que deveria ser mais bem avaliado pelos distintos atores políticos.
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*Professor de filosofia na URGRS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br