Um caminho diferente? 27/11/2011
- Leôncio Martins Rodrigues - O Estado de S.Paulo
Com a transferência do poder para o irmão mais moço, Raúl, Fidel Castro deu aparência de sobrevida ao socialismo cubano. Mas o que acontecerá quando o comandante supremo morrer? A resposta é fácil: desaparecerá, como aconteceu com todos os regimes socialistas que foram implantados no século 20 (a exceção está sendo a Coreia do Norte, talvez porque o herdeiro continue vivo).
Marx profetizara que regimes socialistas seriam resultado do próprio desenvolvimento das forças produtivas e da ação revolucionária da classe operária. O próprio jogo do mercado levaria à crise do capitalismo e à revolução proletária. Mas o socialismo nunca foi uma fatalidade econômica. Resultou sempre de um ato de vontade política de chefes, comandantes ou guias que visavam o poder total.
É claro - para reservar algum espaço para o materialismo histórico - que certas "condições objetivas e subjetivas" são necessárias para o êxito de ações revolucionárias. Uma delas é a hegemonia, na sociedade, de sistemas de valores que deixam pouco espaço para uma cultura cívica, para o individualismo, para o empreendimento e para a cidadania. Junto vêm a adoração do Estado e a crença de que as sociedades mudam por decreto.
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Examinemos, a voo de pássaro, o aparecimento dos regimes socialistas mais importantes do século passado.
O primeiro, naturalmente, é o da Revolução de Outubro, na Rússia. A mistificação comunista transformou em revolução operária e camponesa o levante armado bolchevista de 1917. A decisão do assalto ao poder, com data marcada de antemão, foi decidida por dez pessoas na famosa reunião do Comitê Central de 10 de outubro (calendário russo). No dia 24, o Governo Provisório foi derrubado por um golpe militar dirigido pelo partido bolchevique. Não houve nenhuma participação popular, apenas uma gigantesca bebedeira em Petrogrado (então capital russa, atual São Petersburgo): a adega do czar caíra em poder dos soldados.
O segundo caso de socialismo que cumpre mencionar é o da China Popular. Também nesse caso a classe operária esteve ausente. Foi o exército revolucionário dirigido pelo Partido Comunista chinês que, em 1948, implantou o novo regime, sob a chefia do "grande timoneiro" Mao Tsé-tung.
No caso das democracias populares da Europa Oriental, o socialismo foi imposto de fora, pela União Soviética (URSS). A exceção foi a Iugoslávia. Mas não surgiu de uma revolução operária ou sublevação popular, mas da guerrilha liderada pelo general Josip Tito. No Vietnã o socialismo veio também pela via guerrilheira de Ho Chi Minh.
O caminho que levou ao socialismo cubano não diferiu essencialmente dos seus congêneres europeu e asiático. Em 1953, com apenas 113 combatentes, Fidel Castro organizou a sua primeira tentativa de chegar ao poder. O assalto aos quartéis de Moncada e Bayamo malogrou. Mas Fidel não desanimou. Em dezembro de 1956, com 81 homens, tentou novamente.
Explicitamente pelo menos, a meta castrista não era eliminar o capitalismo, mas derrubar a ditadura do ex-sargento Fulgencio Batista, que não era visto com simpatia pela elite cubana. Por isso os democratas cubanos, boa parte da classe alta (de onde provinha o próprio Fidel), e até mesmo a opinião pública dos Estados Unidos apoiaram a luta anti-Batista. O socialismo foi implantado pelas costas do povo. À noite, na residência de Che Guevara, um pequeno grupo preparou secretamente os decretos de estatização da economia e de transformação de Cuba num país socialista. Quando o trabalho terminou, todo o poder fora transferido para Fidel.
Deixando de lado a mistificação ideológica, o modo de implantação do socialismo é o mesmo em toda parte. Primeiro, sob a chefia de um líder supremo, um pequeno grupo de aventureiros (intelectuais revolucionários, na maioria) dirige o assalto do poder. Depois, constrói-se o socialismo. Nunca o novo regime resultou da chamada "ação das massas". Manifestações populares de apoio vêm posteriormente, sob a farsa da democracia direta.
A esquerda vê em mobilizações feitas de cima, depois da tomada do poder, a prova do apoio ao regime e de seu lado popular. Acontece que na época da política de massas, para dar alguma legitimidade a ditadores que se levantam contra as elites tradicionais, grandes mobilizações devem ser realizadas. Benito Mussolini foi um dos primeiros a usá-las. Getúlio Vargas e outros souberam imitá-lo. Naturalmente, certa distribuição paternalista de benefícios coletivos aos assalariados se deve seguir.
Sem dúvida, há diferenças entre o caso do socialismo cubano e os europeus e asiáticos. Na ilha, o Partido Comunista não teve nenhuma importância, os comandantes guerrilheiros sempre estiveram acima dos apparatchiks comunistas que não lutaram na Sierra Maestra. Na ausência dos intelectuais ou subintelectuais marxistas, as intermináveis discussões ideológicas, como as que existiram na URSS, não ocuparam o mesmo espaço na edificação do socialismo cubano. A mística da revolução substituiu a da classe operária. Por fim, a situação de subdesenvolvimento e a presença próxima dos Estados Unidos propiciavam sentimentos nacionalistas, que não foram fortes nos outros casos.
Trotsky declarou certa vez que sem Lenin não haveria Revolução Russa. Poderíamos dizer também, com muito menos possibilidade de errar, que sem Fidel não haveria socialismo em Cuba. Mas poderá haver após sua morte? Sem o comandante máximo, quanto tempo levará para chegar ao fim o regime que ele criou?
O retorno ao capitalismo, na verdade, começou depois do fim da URSS. Mas, como mostra o exemplo de outros países ex-socialistas, o retorno à democracia é bem mais complicado.