O Conselho Nacional de Justiça 17/01/2012
- Almir Pazzianotto Pinto*
A crise desencadeada pela troca de acusações entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deixa perplexo o cidadão comum, que se esforça para entender o que acontece entre respeitáveis integrantes do Poder Judiciário.
O Supremo Tribunal Federal surgiu com a Constituição de 1891; o Conselho Nacional de Justiça é jovem, instituído em 2004, pela Emenda n.º 45 à Constituição de 1988. Para entendê-lo faz-se mister relembrar as suas origens e consultar, com ânimo de bem entender, o prescrito nos artigos 92 e 103 da Lei das Leis, os quais determinam, respectivamente, a composição do Judiciário e a organização e competências do CNJ.
O conselho não é fruto do acaso. Resultou de anseio popular - como no caso da Lei da Ficha Limpa - após escândalos que abalavam os alicerces do Poder Judiciário. Casos comprovados de corrupção, cujo ápice foi atingido com o criminoso desvio de dinheiro na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, aliados à proverbial morosidade, mobilizaram a opinião pública e obrigaram o Congresso Nacional a se movimentar, com a retomada da ideia um de sistema de controle externo desse Poder, diante da insuficiência dos instrumentos internos de fiscalização.
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A leitura dos dispositivos mencionados (obrigatória para tomada de posição) revela que o Supremo e o CNJ se encontram em plano de igualdade gráfica, diferenciando-se, todavia, em matéria de competência. Observe-se que, segundo o artigo 92 da Carta Magna, são órgãos do Poder Judiciário: I - o Supremo Tribunal Federal e, I-A, o Conselho Nacional de Justiça; seguem-se os demais tribunais e ao inciso II corresponde, em posição hierárquica inferior, o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ao Congresso Nacional teria sido possível reformular a grade anterior e manter o STF como primeiro órgão do Poder, atribuindo ao CNJ o segundo, como inciso II, deslocando o STJ para inciso III. Se assim não fez, foi porque procurou deixar claro que o STF e o CNJ se encontram em planos paralelos dentro do Judiciário, não obstante dotados de competências distintas.
Ao STF compete, "precipuamente", a guarda da Constituição e ao CNJ (artigo 102), despido de competência jurisdicional, exercer "o controle da atuação administrativa e financeira" não de parte, mas de todo o Judiciário, conforme reza o artigo 103-A, § 4º.
Note-se, a reforçar a paridade de posições, que a Seção II do Capítulo III do Título IV da Lei Superior trata, concomitantemente, do STF (artigos 101 a 103-A) e do CNJ (artigo 103-B). A partir apenas da Seção III, correspondente ao Superior Tribunal de Justiça, é que alinhava os demais órgãos, a começar pelo STJ, até se encerrar, na Seção VIII, com os tribunais e juízes dos Estados.
Jamais se disse que o CNJ exerce jurisdição sobre tribunais ou pessoas. A tarefa é estranha a ele. Com eclética composição, tem como membros o presidente do STF (que o preside), ministros dos tribunais superiores, u, desembargador de Tribunal de Justiça, um juiz estadual, dois juízes federais, um juiz de Tribunal Regional do Trabalho e um juiz do Trabalho; dele também participam membros do Ministério Público, dois advogados e dois cidadãos, um indicado pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado, totalizando 15 membros.
Trata-se, sob a denominação de conselho, de órgão de fiscalização externa, incumbido de zelar pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura e pela obediência aos princípios a que se acham sujeitos, sem exceção, os integrantes da "administração pública direta e indireta dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, relativos à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência", de acordo com a letra clara do artigo 37 da Constituição, expressamente referido no inciso II do § 4.º do artigo 103-B.
Andou bem a Emenda n.º 45 quando conferiu ao CNJ competências de tal alcance, que delas não se encontra livre órgão algum do Poder Judiciário? As opiniões, a esta altura, de pouco valem, pois o que está feito está feito, e será injurídico imprimir aos artigos 92, 102 e 103-B, § 4.º, interpretações em desacordo com a linguagem expressa da Constituição. Retroceder encontraria invencível resistência no Legislativo e no povo.
Sob o "controle da atuação administrativa e financeira" se encontra todo o Judiciário, desde o mais conspícuo ministro até modestos juízes de remotas comarcas. Excluídos tão somente os Tribunais de Contas, porque não são judiciários, mas extensões de Poderes Legislativos.
Além dos 15 membros efetivos, o CNJ concentra numeroso quadro de assessores e servidores. Para mantê-lo o erário suporta gastos elevados, com vencimentos, diárias, passagens, instalações, equipamentos, material de consumo. Reduzi-lo, apesar da Constituição, à condição de mero figurante, dependente de corregedorias locais, conflita com a origem, a razão de ser e, sobretudo, a clareza dos textos.
No âmbito do regime democrático, ninguém que desempenhe cargo ou função pública é titular de poderes e diretos absolutos e imune à fiscalização. O presidente da República presta contas dos atos que pratica e deve governar atento à Constituição da República, se pretende evitar os riscos de impeachment. O mesmo sucede com integrantes da Câmara dos Deputados e do Senado, que correm o risco de ser cassados. Sujeitar-se à correição não é vergonhoso. Vergonha haverá se condenado por conduta criminosa.
O Conselho Nacional de Justiça veio para preencher injustificável vazio, responsável por fatos que puseram em xeque a majestade do Poder Judiciário. Cabe-nos defender-lhe o direito de exercer, na plenitude, as delicadas competências de que o fez titular a Emenda n.º 45.
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*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho