Fumo em locais fechados, proibição inconstitucional 31/01/2012
- Fernando Hargreaves*
O Diário Oficial da União de 15 de dezembro de 2011 publicou o texto da Lei Federal n.º 12.546, resultante da aprovação, pelo Congresso Nacional, da Medida Provisória (MP) n.º 540/2011, que "institui o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra); dispõe sobre a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) à indústria automotiva; altera a incidência das contribuições previdenciárias devidas pelas empresas que menciona e dá outras providências".
No texto do projeto de conversão que resultou na referida lei foi incluído, durante a tramitação da proposição no Congresso, o artigo 49, que, mediante as alterações que introduz na Lei n.º 9.294, de 1996, trata de matéria inteiramente estranha ao tema da medida provisória, estabelecendo restrições adicionais à publicidade do cigarro e tornando absoluta a proibição de fumo em locais fechados públicos ou privados de uso coletivo - assim entendidos os locais de acesso público destinados à utilização simultânea por várias pessoas (incluindo, portanto, shopping centers, bares, restaurantes e até mesmo charutarias).
Tal vedação ao fumo em ambientes fechados era, até então, relativa, porque a regra geral restritiva vinha acompanhada de uma exceção expressamente consagrada pela lei federal, agora suprimida pelo novo texto normativo: a possibilidade de fumo em "área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente".
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A despeito da edição de leis mais rigorosas por alguns Estados e municípios, que já proibiam de forma absoluta o fumo em ambientes fechados de uso coletivo, a validade dessas regras locais era questionável, porque a lei federal, válida em todo o País, expressamente albergava a possibilidade de consumo de produtos fumígenos, desde que em local destinado expressamente para esse fim, isolado e arejado. Tratava-se de uma exceção razoável, que foi agora sumariamente extirpada de nosso ordenamento jurídico.
A nova regra parece-nos inconstitucional, tanto pela forma como ocorreu a sua aprovação - que restringiu a possibilidade de discussão da matéria - quanto em razão do seu conteúdo, que é incompatível com o princípio constitucional da proporcionalidade.
Em primeiro lugar, a apreciação das medidas provisórias pelo Congresso Nacional se dá em processo legislativo sumário, sujeito a prazos e trancamento de pauta, entre outros aspectos - o que se justifica em razão da urgência dos temas tratados. Assim, o Poder Executivo só pode legislar por meio de medidas provisórias em casos de relevância e urgência.
Além disso, em razão do procedimento acelerado e sumário de tramitação das medidas provisórias no Parlamento, é expediente reprovável e, a nosso ver, gerador de inconstitucionalidade a inclusão, nos respectivos projetos de lei de conversão, de dispositivos que não guardam nenhuma relação temática com a matéria objeto da MP.
As emendas parlamentares devem ter relação com o tema da MP para evitar que o projeto de lei - sujeito a uma tramitação que limita a possibilidade de discussão mais prolongada das questões tratadas, com realização de audiências públicas, debates em comissões, etc. - acabe sendo "sequestrado" pela inclusão, em seu texto, de dispositivos que não guardam vinculação com o tema da proposição.
A estratégia de "pegar carona" num projeto que trata de matéria diversa lembra muito as famigeradas "caudas orçamentárias", comuns na República Velha. E foi justamente isso que voltou a ocorrer no caso da proibição total do fumo em locais fechados: uma MP que tratava apenas de regimes de tributação veio a ser utilizada para que na lei dela resultante fossem incluídas, sem maior discussão, normas relativas a assuntos inteiramente distintos.
Mas não é só. A inconstitucionalidade da proibição absoluta do fumo em locais fechados, com supressão da possibilidade de consumo de tabaco em ambientes isolados, é também materialmente inconstitucional. Não custa lembrar que o cigarro é um produto lícito. Sua produção, seu comércio e seu consumo não são proibidos no Brasil, sendo, portanto, permitidos por nossa ordem jurídica.
Embora a informação sobre os malefícios do cigarro já esteja amplamente difundida, pode-se dizer que há um consenso em torno da manutenção do cigarro, assim como do álcool, como produtos lícitos, embora com restrições relativas a propaganda, pontos de venda e locais onde o consumo é legítimo, entre outras. Portanto, qualquer restrição ao consumo de um produto que é licitamente produzido, vendido e consumido no País deve atender ao princípio constitucional da proporcionalidade.
No caso, a nova regra que proíbe os fumódromos claramente agride o princípio da proporcionalidade por não respeitar o cânone da vedação do excesso. Se a escolha entre fumar ou não fumar, para pessoas maiores e capazes, é livre (o fumo não está proibido no Brasil) e a lei, ao proibir o fumo em locais coletivos fechados, pretende proteger a integridade da saúde dos não fumantes que frequentem tais locais (garantindo que eles não sejam vítimas do "fumo passivo"), então não há por que proibir o fumo em locais verdadeiramente isolados e dotados de exaustão adequada.
O consumo de cigarros e produtos afins em locais destinados exclusivamente para essa finalidade, como, por exemplo, tabacarias ou ambientes de bares, boates e restaurantes verdadeiramente isolados e providos de mecanismos de ventilação, certamente não implica nenhum prejuízo para a população não fumante. Em contrapartida, a proibição implica uma restrição da liberdade para além dos limites do razoável. E agride o princípio da vedação do excesso.