A tática de, em nome de direitos humanos, levar movimentos reivindicatórios à radicalização e provocar confrontos - quanto mais violentos, melhor - com os poderes constituídos é recurso conhecido e praticado em todo canto onde haja um mínimo de liberdade, mas especialmente nos países em que as instituições democráticas não estão suficientemente consolidadas. A quem interessa esse procedimento? De imediato, aos grupos nominalmente empenhados nas reivindicações e delas potenciais beneficiários, os quais muitas vezes se deixam manipular pelos "agitadores" ou disso não se dão conta. Numa perspectiva política mais ampla, interessa, é claro, aos próprios insufladores da radicalização, cujo objetivo é desmoralizar e enfraquecer os governantes de turno, visando a vantagens num amplo arco que tanto pode se esgotar num ganho eleitoral de curto prazo quanto obter uma conquista ideológica a termo mais longo. É o que aconteceu dias atrás em São Paulo, com a reintegração de posse da área do Pinheirinho, em São José dos Campos. É o que está acontecendo há uma semana na Bahia, com a absurda greve dos policiais militares (PMs).
O movimento dos policiais militares baianos - estima-se que cerca de um terço da corporação tenha aderido à greve - tem levado o caos e o pânico às ruas das principais cidades do Estado, principalmente a capital, onde hordas de criminosos se sentem à vontade para praticar assaltos e assassínios à luz do dia, mesmo com a presença, convocada às pressas, de forças federais. O número de homicídios mais que dobrou e não surpreende que algumas autoridades atribuam essa explosão de violência a uma ação deliberada dos grevistas, para levar o pânico à população.
A greve, declarada ilegal pela Justiça baiana, que expediu mandados de prisão contra 12 líderes da ação, é comandada por uma tal de Associação de Policiais e Bombeiros e de seus Familiares do Estado da Bahia, cujo presidente, o ex-policial militar Marco Prisco, tem um histórico político compatível com a falta de coerência do movimento: filiado há poucos meses ao PSDB - partido em relação ao qual já manifesta insatisfação, porque até o momento "ninguém veio apertar minha mão" -, passou os últimos anos no PSOL, tendo sido anteriormente filiado ao PT e ao PC do B. Em 2001, no governo Cesar Borges, do PFL, quando era soldado, Prisco foi um dos líderes de outra rumorosa greve da PM, o que resultou em sua expulsão. A diferença é que naquela época "lutava" ao lado do PT do então deputado Jaques Wagner, então empenhado em desmoralizar o grupo político do finado senador Antonio Carlos Magalhães.
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Hoje do lado oposto àquele em que se encontrava em 2001, o governador Jaques Wagner não hesita em chamar os grevistas pelo nome que boa parte deles certamente merece - "criminosos" - e em sustentar que a greve "pode ser parte da operação montada, da tentativa de criar um clima de desespero na população para fazer o governo sucumbir, uma tentativa de guerra psicológica".
Seis dias depois de iniciado o motim, a situação era extremamente tensa ontem em Salvador, onde um grupo de grevistas, inflado por mulheres e crianças, permanecia sitiado por forças federais e da própria PM baiana na Assembleia Legislativa. As autoridades negavam qualquer intenção de invadir o prédio e os grevistas prometiam reagir a uma eventual tentativa. De parte a parte registravam-se, como era de esperar, queixas e acusações de violações de direitos. O desequilíbrio das forças em conflito e a falta de apoio político significativo aos amotinados indicam que os grevistas acabarão cedendo. Até porque o governo petista, com toda razão, se negava categoricamente a atender a uma das únicas duas reivindicações que os sublevados sustentavam nas últimas horas: a anistia geral aos participantes do movimento.
Esse lamentável episódio só não terá apenas causado sérios prejuízos à população baiana se, de alguma maneira, levar a sociedade brasileira ao entendimento de que existe uma condição absolutamente indispensável à consolidação do regime democrático: o império da lei.