capa | atento olhar | busca | de última! | dia-a-dia | entrevista | falooouu
guia oficial do puxa-saco | hoje na história | loterias | mamãe, óia eu aqui | mt cards
poemas & sonetos | releitura | sabor da terra | sbornianews | vi@ email
 
Cuiabá MT, 24/09/2024
comTEXTO | críticas construtivas | curto & grosso | o outro lado da notícia | tá ligado? | tema livre 30.745.865 pageviews  

O Outro Lado Porque tudo tem dois, menos a esfera.

O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Yoani Sánchez, a direita e a esquerda
09/02/2012 - Eugênio Bucci*

A blogueira cubana Yoani Sánchez, também colunista do Estado, virou uma celebridade mundial. A imagem da dissidente que jamais conseguiu autorização de seu governo para sair do país, nem mesmo uma viagem de poucos dias, virou um símbolo eloquente do limite estreito, muito estreito, que confina as liberdades individuais em Cuba. Nessa condição, ela é manchete permanente.

Como se sabe, todas as manchetes servem a interesses e Yoani Sánchez também serve, mesmo que involuntariamente. Ela tremula como um estandarte nas mãos dos opositores do regime dos irmãos Castro, principalmente dos opositores de direita - pois é também possível uma oposição à esquerda, como logo veremos.

Com frequência os relatos sobre as desventuras da blogueira vêm junto com um discurso que procura caracterizar a ditadura cubana como a tragédia inevitável, fatal, de qualquer sonho socialista. Esse discurso se vale de Yoani para mentir, o que é bem fácil constatar. Todas as mudanças sociais vieram embaladas por ideais de igualdade, como a Revolução Francesa, ou de igualdade de oportunidades, como a Revolução Americana. Mesmo agora, a partir do final da 2.ª Guerra, inúmeros governos declaradamente socialistas se sucederam na Europa, em perfeita convivência com a sociedade de mercado, sem que isso acarretasse uma degeneração de corte totalitário. Tanto é assim que, no mundo contemporâneo, o ideário socialista de perfil não autoritário foi acolhido como proposta legítima e até mesmo necessária à normalidade democrática.


PUBLICIDADE


Portanto, é falso o discurso direitista que atribui os padecimentos (reais) do povo cubano ao DNA de qualquer projeto de sociedade sem pobreza. A construção da tirania em Cuba não tem origem na rebeldia dos que se insurgiram contra a ditadura de Fulgêncio Batista, mas na conformação do Estado aos moldes ditados pela União Soviética.

Fora isso, o autoritarismo em Cuba tem sua origem na esquerda, sem dúvida, mas, em matéria de autoritarismo, a direita delinquiu muito mais em outros países. Avesso a essa ululante evidência, o discurso direitista instrumentaliza a figura de Yoani Sánchez para alardear que toda plataforma socialista está fadada ao totalitarismo e à escassez - e que só há liberdade num ambiente baseado mais no mercado do que na justiça social, mais na ostentação do que na dignidade humana.

Oportunista, esse discurso nunca menciona o bloqueio que os Estados Unidos impuseram à ilha há exatos 50 anos (ele teve início no dia 5 de fevereiro de 1962). A própria Yoani, é interessante notar, não vai por aí. Em mais de uma ocasião ela pediu em seu blog a suspensão desse embargo "absurdo". Ao mesmo tempo, ela cuida de alertar para algo que é profundamente verdadeiro: o bloqueio pune o povo, é verdade, mas, perversamente, convém aos irmãos Castro, que se valem dele para culpar os Estados Unidos por tudo o que acontece de ruim. Tanto que, para ela, fim do embargo seria "o golpe definitivo contra o autoritarismo sob o qual vivemos".

Há poucos dias, uma vez mais, Yoani teve negado o seu pedido para viajar para o Brasil (pela 19.ª vez, segundo sua contagem). De novo, foi notícia. Ela queria vir ao lançamento do documentário Conexão Cuba-Honduras, de Dado Galvão, em que aparece como entrevistada. Sem a presença de sua convidada mais ilustre, o lançamento foi adiado.

Enquanto isso, a injustiça prolonga-se em Havana. Muitos, hoje, no Brasil e em Cuba, apoiam a ditadura cubana. Até mesmo no caso de Yoani, a quem acusam de ser remunerada por organizações de direita e de ganhar de presente recursos avançadíssimos de tecnologia digital para fazer contrapropaganda. Logo, não movem uma palha pelos direitos dela.

O curioso é que, mesmo se fossem verdadeiras, as acusações não poderiam justificar o arbítrio. O direito de ir e vir é um direito fundamental da pessoa humana, e não apenas de quem concorda com o governo. Em qualquer democracia os direitos fundamentais de um cidadão não estão condicionados às opiniões dele. Em Cuba, porém, é assim que funciona. E ainda há os que, em nome dos ideais de esquerda, batem palmas para a opressão, dizendo que na ilha não há fome, não há morador de rua, todos têm escolas e hospitais à vontade, e que, diante disso, a falta de liberdade é um reles detalhe. Outra vez: mesmo se aceitarmos como verdadeira essa afirmação - e não há comprovações empíricas de que ela seja realmente verdadeira -, mesmo assim ela não tem validade política, pois o suposto atendimento das necessidades materiais não compensa a falta de liberdade. Aliás, lá mesmo, em Cuba, na prisão americana de Guantánamo, os prisioneiros fazem suas refeições diariamente, entre uma tortura e outra, além de contarem com médicos e dentistas de plantão. Isso não significa que vivam "numa sociedade justa". Eles vivem encarcerados, isso sim. Comida, cama, escola e hospital não são suficientes para que se tenha justiça social, paz e democracia. E sem liberdade constituem a negação dos ideais de igualdade.

Por esse ângulo é que podemos entender o lugar de uma oposição de esquerda à tirania dos irmãos Castro, uma oposição que não se confunde com as causas da direita. Ela não se serve da falta de liberdade como pretexto, mas toma a liberdade como fim. Para ela, a livre comunicação das ideias, "um dos mais preciosos direitos do homem", segundo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, não é meramente um capricho liberal, mas uma conquista de toda a humanidade, na exata medida em que os direitos sociais não beneficiam apenas um ou outro sindicato, mas toda a sociedade. Ao romperem com a democracia, os ditadores em Cuba traíram o sonho que um dia representaram. Por isso também os opositores de esquerda defendem os direitos de Yoani Sánchez.

...

*Jornalista, é professor da USP e da ESPM

  

Compartilhe: twitter delicious Windows Live MySpace facebook Google digg

  Textos anteriores
14/08/2023 - NONO NONO NONO NONO
11/08/2023 - FRASES FAMOSAS
10/08/2023 - CAIXA REGISTRADORA
09/08/2023 - MINHAS AVÓS
08/08/2023 - YSANI KALAPALO
07/08/2023 - OS TRÊS GARÇONS
06/08/2023 - O BOLICHO
05/08/2023 - EXCESSO DE NOTÍCIAS
04/08/2023 - GUARANÁ RALADO
03/08/2023 - AS FOTOS DAS ILUSTRAÇÕES DOS MEUS TEXTOS
02/08/2023 - GERAÇÕES
01/08/2023 - Visitas surpresas da minha terceira geração
31/07/2023 - PREMONIÇÃO OU SEXTO SENTIDO
30/07/2023 - A COSTUREIRA
29/07/2023 - Conversa de bisnetas
28/07/2023 - PENSAR NO PASSADO
27/07/2023 - SE A CIÊNCIA NOS AJUDAR
26/07/2023 - PESQUISANDO
25/07/2023 - A História Escrita e Oral
24/07/2023 - ESTÃO ACABANDO OS ACREANOS FAMOSOS

Listar todos os textos
 
Editor: Marcos Antonio Moreira
Diretora Executiva: Kelen Marques