O grande perdedor 07/03/2012
- Antero Greco - O Estado de S.Paulo
O tiroteio entre Fifa e o governo do Brasil, com a CBF levando e dando pernadas de raspão, a esta altura levanta menos reações nacionalistas ou oposicionistas e faz lembrar mais de "Um samba no Bexiga". No clássico sucesso de Adoniram Barbosa, o narrador conta que numa festa, na rua Major Diogo, a certa altura saiu uma tremenda briga, com as "pizza que avoava junto com as brachola". Para evitar confusão, ele e os amigos se amoitaram de fininho, pois eram estranhos no lugar, não quiseram se meter e estavam lá só pra comer. "Na hora H se enfiemo debaixo da mesa/E fiquemos ali de beleza/vendo o Nicola brigar..."
A vontade que dá é a de assumir postura idêntica à do personagem da canção e assistir de camarote ao quebra-pau dessa turma. Como se isso não tivesse nada a ver com a gente, como se fosse uma confusão na Cochinchina. O palavreado usado entre os contendores, nos últimos dias, esteve à altura de barraco bate-boca de comadres. Era "chute no traseiro" pra cá, "vagabundo" pra lá, "infantil" acolá. Só faltou, pra virar confusão de garotada, um gaiato falar: "Quem for homem, cospe aqui." Coisa feia.
Esqueça suas diferenças políticas, não importa se o governo é de PT, PSDB, PMDB ou qualquer partido que seja. Abstraia suas preferências pessoais, idiossincrasias, convicções civis, religiosas ou clubísticas. Parta do pressuposto de que a Fifa tem razão de reclamar de atrasos - algo que todo cidadão com bom senso nota. Isso não lhe dava o direito de abusar do palavrório, como fez Jérôme Valcke. O dirigente foi deselegante com um país, feriu normas básicas de relações diplomáticas. Não se cobram parceiros dessa maneira. E nem adianta colocar a culpa em pegadinhas de tradução ou falsos cognatos. Não colou.
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A reação brasileira foi adequada para aquele momento. E a indelicadeza de Valcke acentuou-se quando ele disse que o muxoxo verde-amarelo era pueril. O sujeito queria mesmo ver a confusão armada. Daí a irritação ter aumentado e agora coube a Joseph Blatter atuar como bombeiro, como também se esperava, com cartinhas de desculpa a torto e a direito, além de reiterados votos de estima e consideração e etc e tal. Provavelmente, o episódio termine em pizza, apesar de arranhar um pouco mais as já não muito serenas relações entre os donos da bola e o governo do Brasil.
O incidente escancara o temor da Fifa com os preparativos para a Copa - receio que muita gente equilibrada do lado de cá manifestou desde a primeira hora. Também realça o mal-estar do governo atual diante de acertos feitos entre a turma anterior e CBF, na hora de assinar contrato com a Fifa. E deixa claro que não há diálogo franco com o COL, já que seu comandante, mesmo a fingir-se de morto, ainda está no poder. Um balaio de gatos e tanto.
Mas volto ao início da crônica. A gente não pode apenas ver o Nicola brigar porque, ao contrário do herói do samba, somos parte desse bafafá. Por mais que os homi se desentendam, uma coisa é certa, e disso ninguém duvida: vai sobrar pra nós. Pagaremos a conta, que será bem salgada. Com estádios novos ou não, com obras de infraestrutura bacanas ou só meia-boca, o contribuinte vai bancar tudo isso. Lembra que o cartolão, agora meio sumido, disse que o Mundial seria feito só com a iniciativa privada? Ah, tá. E teve quem acreditou.
Copa do Brasil. Taí um torneio legal e que caiu no gosto popular. A Copa do Brasil empolga não apenas por causa de Libertadores, mas porque vale taça e abre espaço para zebras.