Menos marketing, mais qualidade 08/03/2012
- José Serra*
Ao fim de nove anos de governo do PT, a política educacional brasileira resultou numa verdadeira sopa de pedras. Não tem consistência e as iniciativas desconexas se vão sucedendo - pedras jogadas na panela aquecida por vultosos recursos públicos produzindo pouca substância. Os Estados e os municípios cuidam da pré-escola, do ensino fundamental e médio. Mas a esfera federal detém capacidade legislativa e normativa, além de recursos em grande escala, para atuar no setor. No ensino superior público, o grande agente é o Ministério da Educação (MEC), com a exceção de uns poucos Estados que têm grandes universidades.
O mais recente exemplo dessa inconsistência é o Plano Nacional de Educação 2011-2020, resumido no Senado pelo novo titular da Educação, Aloizio Mercadante. A superficialidade e a confusão das falas do ministro afligem aqueles que consideram a educação o principal desafio brasileiro neste século.
Nem no plano nem nas falas há nenhuma pista para enfrentar o fato de que o ensino superior público no Brasil, na era petista, foi além da estagnação. Acredite se quiser: em 2010 formou menos 24 mil estudantes do que em 2004, segundo estimativa de Carlos Brito, da Fapesp, destoando da fase de forte expansão no governo Fernando Henrique Cardoso e do ministro Paulo Renato.
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No momento, a pedra mais vistosa atirada na sopa são os tablets, a serem distribuídos de graça. Ninguém responsável pode rejeitar a chegada das modernas tecnologias às salas de aula. Mas não passa de mistificação barata - ou muito cara, a depender de como se faça - essa história de que a educação só melhora se cada aluno e cada professor tiverem nas mãos um iPad, como promete o ministro. Rejeitar a adoção de modernas tecnologias seria o mesmo que combater a luz elétrica e a água encanada. Mas um professor mal preparado o será em qualquer circunstância. Um aluno que mal sabe escrever e multiplicar não será redimido por um tablet. A distribuição de material eletrônico sem bons guias curriculares e programas de formação e qualificação dos professores é dessas firulas atrás de manchetes. O governo Lula fez isso em 2005 com laptops - "Um Computador por Aluno", lembram? O fracasso foi retumbante.
Como noticiou este jornal, 3,8 milhões de crianças e jovens não estão na escola; na faixa dos 15 aos 17 anos, nos oito anos de FHC e Paulo Renato, o porcentual fora da escola caiu de 33% para 18%. Depois disso a inclusão se desacelerou e 14% ainda não frequentam nenhuma instituição de ensino. Acredite se quiser: em 2010 houve menos concluintes do ensino médio do que em 2003, com um decréscimo anual de 0,5% ao ano.
Com ou sem tablets - eles são uma ferramenta, não uma política pública em si -, o governo federal deveria empenhar-se em pôr na escola essa imensa fatia da juventude e elevar o padrão de ensino, em especial expandindo o ensino profissionalizante. Não é o que se vê. Tome-se o Pronatec, programa copiado do Protec, proposta nossa durante a campanha de 2010, tão combatida pelos petistas. Além do atraso para dar início ao programa, foram excluídas as bolsas em escolas técnicas particulares, precisamente as que atendem jovens mais pobres. Isso exclui cerca de 50% dos alunos dessas escolas.
Em São Paulo, em 11 anos, foram criadas 104 escolas técnicas de nível médio, abrindo 150 mil vagas adicionais. É preciso pensar mais no estudante e menos nas manchetes, mais em dar uma resposta aos problemas reais dos alunos e de suas famílias e menos em soluções marcadas pela publicidade e pelo açodamento. A improvisação é tanta que a capacitação técnica de professores e o método pedagógico que deveriam orientar a utilização dos milhões de tablets prometidos só estão previstos para depois da chegada dos aparelhos!
Outra pedra atirada na sopa da educação petista foi a tentativa de transformar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) numa prova de acesso à universidade. Sob o pretexto de pôr fim ao vestibular nas universidades federais, criou-se o maior vestibular do mundo ocidental. Assistiu-se a um festival de trapalhadas, injustiças, arbitrariedade, subjetivismo e falta de critério na correção das provas. No fim, o aluno nem sabe direito por que tirou essa ou aquela nota. Pior: as críticas corretas e sensatas foram consideradas tentativas de sabotagem. A incompetência flerta frequentemente com o autoritarismo.
Ao abordar as dificuldades do Enem como "vestibulão", o novo ministro produziu mais uma pérola, dizendo que os problemas decorrem do fato de o Brasil ser muito grande, e alegou que isso não é culpa do MEC. Será que o PT vai esperar que o País encolha para começar a governá-lo com competência? Ou, quem sabe, seus ministros possam candidatar-se ao cargo de gestor na Escandinávia, cujos países são bem menores que o Brasil e solicitam menos dos homens públicos, pois muitas das condições que ainda infelicitam o nosso povo já estão resolvidas por lá. É sempre bom lembrar que o Brasil, afinal de contas, já tinha esse tamanho antes de o PT chegar ao poder.
Em 2009, 65 nações participaram do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), que verifica o conhecimento de estudantes de 15 anos em Matemática, leitura e Ciências. O resultado é vexaminoso: o Brasil obteve o 54.º lugar, junto com Panamá e Azerbaijão, atrás de países como Bulgária, Romênia, México, Chile e Uruguai.
O que nos falta? Tablets? Sem uma política pública consequente de valorização e qualificação do professor eles são inúteis. Servem à propaganda, não aos estudantes; servem à demagogia, não à elevação das sofríveis condições de ensino no País.
É possível, sim, mudar essa realidade, desde que se façam as escolhas certas. As autoridades nacionais da área educacional precisam perseguir menos a publicidade e mais a qualidade. Se o fizerem, as notícias fatalmente os alcançarão.