Dívida estadual e guerra fiscal 11/04/2012
- O Estado de S.Paulo
Por vias tortas, governadores conseguiram envolver a presidente Dilma Rousseff em sua campanha para baratear as dívidas estaduais refinanciadas pelo Tesouro Nacional nos anos 90. A maior parte dos Estados estava quebrada, naquela época, depois de muitos anos de farra financeira. Empenhado em reorganizar as contas públicas, o governo federal refinanciou aquelas dívidas por 30 anos. Os governos pagariam correção monetária com base no IGP-DI, o indicador tradicional calculado pela Fundação Getúlio Vargas, e juros anuais de 6% ou 9%, segundo o caso. O esquema aliviou as finanças estaduais por algum tempo, mas o custo acabou sendo muito alto, o saldo devedor cresceu e há alguns anos os governadores vêm tentando uma revisão do acordo. A pretensão é justificável. Mantido o acerto original, as dívidas serão impagáveis e as políticas estaduais continuarão, por tempo indefinido, sujeitas a uma restrição financeira sem propósito.
O assunto, complexo e delicado, estava em estudo no Ministério da Fazenda havia algum tempo, mas os governadores cobravam mais pressa na solução do problema. A questão era muito mais urgente para eles do que para o governo central. A situação mudou com o problema gerado pela guerra dos portos. Diante dos danos causados à indústria pelos incentivos à importação concedidos em alguns Estados, o poder federal foi forçado a agir.
O senador Romero Jucá, então líder do governo, apresentou a Resolução n.º 72 para mudar a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações interestaduais. Com a redução da alíquota interestadual para 4%, os governos responsáveis pela guerra fiscal perdem boa parte das vantagens obtidas com a formação de núcleos importadores. Mas, como essa guerra foi movida por 10 Estados, seria complicado obter o apoio necessário para aprovar a resolução.
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A revisão dos termos do acordo sobre as dívidas estaduais foi uma das moedas oferecidas pelo governo federal. Essa moeda interessa a todos os Estados, tanto aos agressores quanto aos agredidos na guerra dos portos. A solução de um velho problema - o das dívidas muito caras - passou a ser uma condição política para a solução do outro - o da guerra fiscal entre Estados.
A mera troca do IGP-DI por qualquer outro indexador seria uma solução precária. Uma alteração importante na evolução das várias categorias de preços poderia mudar todo o cenário, em pouco tempo, e anular as possíveis vantagens obtidas com a troca. Uma nova hipótese, discutida na semana passada, parece muito mais promissora. Em vez de se trocar apenas o indexador, muda-se diretamente o encargo total da dívida: os Estados passam a pagar a Selic, a taxa básica de juros definida pelo Banco Central, a mesma adotada para o pagamento dos títulos federais. A solução pode ser imperfeita e talvez valha a pena discuti-la mais longamente, mas é, à primeira vista, bastante razoável.
Muito menos razoável é a barganha política montada para a eliminação da guerra dos portos. O governo federal se dispõe a pagar por isso como se os governos culpados por essa guerra tivessem algum direito. Não têm - nem esses nem outros governos envolvidos em outros episódios de conflito fiscal. Pela lei, incentivos dependem de aprovação do Conselho de Política Fazendária (Confaz). Muitos benefícios foram concedidos por muitos Estados, durante décadas, em evidente violação desse preceito. No caso da guerra dos portos, houve um fator agravante: a política fiscal foi usada para impor uma concorrência desleal à indústria brasileira, com grave prejuízo para a criação de empregos no Brasil.
Para reforçar sua oferta, o governo federal ainda se comprometeu a apoiar uma redistribuição do ICMS cobrado nas operações interestaduais de comércio eletrônico. A mudança depende de um projeto de reforma constitucional em exame no Congresso. A aprovação da Resolução n.º 72 pode ser um pequeno passo para a ampla alteração necessária à modernização do sistema de impostos e contribuições. Mas uma reforma feita aos pedacinhos dificilmente terá o alcance e a coerência indispensáveis a um sistema equilibrado e funcional.